O mais recente filme de Oliver Laxe, Sirāt, chega com um histórico de aclamação e prêmios que, à primeira vista, parece promissor demais para um espectador exigente. Estreando na competição principal do Festival de Cannes de 2025 e agraciado com o Prêmio do Júri, Sirāt constrói sua narrativa a partir de uma paisagem quase mítica e de uma proposta temática ambiciosa que une estrada, música eletrônica e meditações existenciais em meio à vastidão do deserto do Marrocos.
O ponto de partida é simples e universal: um pai, Luis (Sergi López), e seu filho, Esteban (Bruno Núñez Arjona), cruzam as áridas montanhas em busca de Mar, a filha e irmã desaparecida após sumir em uma rave perdida no deserto. A escolha de ambientar o drama em meio a festas techno, com luzes pulsantes, caixas de som gigantescas e um grupo de “raveiros” que oferecem tanto companhia quanto confusão, tinha tudo para ser uma metáfora potente sobre os limites da alma humana e a busca por significado. Quando a câmera de Mauro Herce capta a poeira levantada pelo vento sob um céu imenso e opressor, a imagem é de impressionante beleza bruta e visualmente é inegavelmente marcante.
Essa ambição estética e sensorial, porém, é ao mesmo tempo um dos maiores problemas da obra. Embora a fotografia em 16 mm confira textura e profundidade às imagens, o uso excessivo de planos contemplativos e longos silêncios funciona menos como uma escolha poética e mais como uma espécie de autoindulgência que testa a paciência de quem assiste. Em vez de aprofundar o drama emocional dos personagens, muitas sequências parecem prolongar o vazio que o próprio deserto simboliza, sem construir uma narrativa envolvente ou empática.
A trilha sonora de Kangding Ray, elogiada pela crítica especializada e pelo design de som de Laia Casanova, é outra peça que deveria integrar o filme ao espectador de modo hipnótico, fazendo com que o ritmo do relato se fundisse ao pulsar das batidas techno e ao vento incessante do deserto. Em seus melhores momentos, esses elementos criam atmosfera e conferem ao ambiente uma presença quase cinematográfica que parece transcender a história em si. No entanto, fala-se mais em sensação do que em conteúdo. Aquilo que deveria ser uma ponte entre o público e o que se passa na tela muitas vezes soa como distração estilística diante de uma trama que se perde em derivações e abstrações.
Esse problema se agrava nas escolhas narrativas do roteiro escrito por Laxe e Santiago Fillol. A jornada de Luis e Esteban, que poderia ter servido de eixo para um drama humano consistente e comovente, acaba diluída enquanto o filme se transforma num desfile de encontros e episódios que nem sempre se conectam de maneira satisfatória. Para um espectador que espera uma evolução emocional clara, o caminho aqui parece mais um deserto sem trilha definida. A promessa de profundidade existencial e reflexão sobre limites humanos fica muitas vezes na superfície, sem que as situações vividas pelo pai e pelo filho se traduzam em verdadeiras transformações ou revelações significativas.
Outro aspecto que divide é o elenco e a condução das performances. Sergi López entrega uma presença firme e visceral, com nuances que tentam equilibrar a determinação do pai e o desespero diante da ausência de respostas. Bruno Núñez Arjona também se mostra convincente como um garoto que oscila entre curiosidade e exaustão física e emocional. No entanto, a aparente intenção de misturar atores profissionais com não profissionais, criando um realismo quase documental, em vez de aproximar o espectador parece gerar uma distância desconfortável. Os personagens que cruzam o caminho de Luis e Esteban — o grupo de raveiros e marginalizados — muitas vezes parecem caricaturas estilizadas em vez de figuras complexas com as quais se poderia empatizar.
A crítica internacional, que no geral celebrou Sirāt como uma obra profunda e até revolucionária, parece ter sido mais influenciada pela ousadia formal e pela estética singular do filme do que por sua capacidade de contar uma história que realmente conecte emocionalmente. Há quem veja na película uma metáfora sobre o estado do mundo moderno, a crise climática, as fronteiras físicas e espirituais, ou a condição humana diante do caos global. Essas leituras, embora intelectualmente estimulantes, não substituem a necessidade de uma narrativa que faça sentido no plano emocional e dramático.
A sensação que fica ao final é a de que Sirāt se esforça demasiado para ser um misto de meditação estética, road movie espiritual e comentário social, sem se comprometer verdadeiramente com nenhuma dessas vertentes. O resultado é uma experiência cinematográfica extensa e visualmente rica que, paradoxalmente, esvazia o que deveria ser o centro mais humano da história: o vínculo entre um pai e seu filho frente à perda e à desesperança. É uma obra que pode impressionar à primeira vista, mas que se revela, para muitos espectadores, uma viagem longa demais por um deserto de ideias repetidas e um ritmo que confunde o contemplativo com o redundante.
No fim das contas, Sirāt se esforça para ser um filme grandioso e profundo, mas acaba tropeçando na própria ambição. Em vez de construir um relato emocionalmente envolvente, a produção de Oliver Laxe prefere se perder em suas próprias areias, oferecendo ao público uma miragem de cinema intenso que, para alguns, pode parecer distante e insatisfatória quando a luz forte do deserto cede espaço ao vazio narrativo.
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