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dezembro 21, 2025

Lumière! A Aventura Começa (2016)

 


Título original: Lumière! L'Aventure Commence
Direção: Thierry Frémaux
Sinopse: Em março de 1895, os irmãos Louis e Auguste Lumière eternizaram-se na história ao capturarem as primeiras imagens em movimento no aparelho que haviam inventado: o cinematógrafo. Neste documentário são contempladas algumas de suas obras, os primeiros passos dados para o nascimento da sétima arte.


Escrever sobre Lumière! A Aventura Começa exige, antes de tudo, reconhecer que se trata de uma experiência cinematográfica diferente daquela que a maioria das pessoas imagina quando pensa em “filme”. Não há personagens ficcionais, nem conflitos dramáticos tradicionais. O que existe nessa obra de Thierry Frémaux é uma celebração das origens da imagem em movimento, um convite para voltarmos à infância do cinema e escutarmos a voz que acompanha cada sequência como um guia atento e apaixonado. 

O documentário de Frémaux, cineasta francês também conhecido por sua longa ligação com o Festival de Cannes, é estruturado a partir de uma impressionante seleção de curtas dos irmãos Auguste e Louis Lumière, que juntos foram protagonistas da invenção do cinematógrafo em 1895. Ao reunir cerca de 100 dessas “vistas” restauradas em 4K e reorganizá-las por temas e maneiras de olhar o mundo, ele constrói uma narrativa que é ao mesmo tempo histórica e estética. É como se, ao assistir, o espectador tivesse diante de si páginas muito antigas de um livro ainda vivo, onde cada enquadramento, cada movimento de câmera serve como testemunho de que o cinema, desde o início, tinha a ambição de capturar a vida em sua multiplicidade. 

O valor do documentário está nessa capacidade de transformar registros simples em algo universalmente encantador. Há cenas curiosas de trabalhadores saindo de uma fábrica, momentos engraçados como o jardineiro sendo molhado por um regador, ou a energia súbita de uma locomotiva chegando à estação. Esses fragmentos de menos de um minuto ganham densidade quando alinhados à narração de Frémaux, que não impõe uma ordem cronológica rígida, mas antes convida o espectador a perceber padrões, contextos e a genialidade técnica que já estava presente nos primeiros anos do cinema. A ideia não é tanto informar com precisão enciclopédica, mas permitir que cada um experimente a sensação de se encontrar cara a cara com os primórdios da arte cinematográfica. 

Do ponto de vista técnico, o filme impressiona pelo cuidado com a restauração dos materiais. Ver imagens filmadas no final do século XIX com qualidade que nos permite distinguir gestos, expressões e espaços é uma experiência que mistura espanto e nostalgia. É fácil esquecer que, naquela época, as câmeras eram pesadas, os rolos de filme muito curtos, e que muitas das tomadas surgiam de experimentos práticos ou do acaso. Mesmo assim, o conjunto revela que já havia atenção à composição, à profundidade de campo e até aos primeiros ensaios de movimento de câmera. Frémaux e seus colaboradores de montagem conseguiram equilibrar a sequência dessas imagens de forma que elas fluam sem cansar, alternando cenas contemplativas com outras de ritmo mais dinâmico. 

A narração em off de Frémaux funciona como um fio que liga o público ao passado e ao presente. Sua voz não impõe uma interpretação única, mas frequentemente celebra a inventividade dos Lumière, conduzindo o espectador a enxergar detalhes que, de outra forma, passariam despercebidos. Ele respeita a obra dos irmãos com reverência, como se cada cena fosse um pequeno milagre de luz e movimento. Essa postura didática torna o filme acessível mesmo para quem não é cinéfilo fervoroso, pois há nesse olhar um equilíbrio entre o entusiasmo culto e um convite genuíno à contemplação. 

Mas Lumière! A Aventura Começa não é apenas um manual de história do cinema. Ele também é um lembrete emocional de que o cinema nasceu da simples vontade de observar o mundo. Ao longo dos 90 minutos, a obra provoca reflexões sobre o tempo, a memória e a maneira como registramos nossas vidas. Assistir aos primeiros filmes dos Lumière é testemunhar a vida cotidiana de outra era, com suas paisagens urbanas, seus objetos em movimento, seus rostos curiosos encarando a câmera. Essa viagem temporal tem uma força própria, capaz de sensibilizar mesmo aqueles menos interessados em teoria cinematográfica. 

No fim, o filme de Frémaux é mais do que um documentário sobre cinema. Ele é um convite para redescobrir a maravilha de olhar, de perceber o mundo em movimento e de reconhecer que aquilo que hoje tomamos como garantido começou com curiosidade e ousadia. Ao revisitarmos os primeiros passos da imagem em movimento, lembramos que o cinema é, acima de tudo, um espelho da vida, uma arte que desde seu nascimento se preocupa em fazer o público sentir, pensar e se encantar. Lumière! A Aventura Começa é, portanto, um tributo que honra essas origens e convida cada espectador a reencontrar nelas um pouco da sua própria relação com o cinema.