Páginas

dezembro 18, 2025

Frankenstein (2025)


Título original: Frankenstein
Direção: Guillermo del Toro
Sinopse: Dr. Victor Frankenstein, um cientista brilhante, mas egoísta, dá vida a uma criatura em um experimento monstruoso que acaba levando à ruína tanto do criador quanto de sua trágica criação.


Desde os primeiros minutos, Frankenstein se apresenta como uma obra que sabe muito bem o que quer ser visualmente. Guillermo del Toro parte de um material centenário, o romance de Mary Shelley, e impregna a narrativa com sua assinatura estética: um gótico luxuoso que evoca tanto o horror clássico quanto uma espécie de fábula sombria sobre criação e abandono. O design de produção é um dos elementos mais fortes do filme. Os cenários do laboratório de Victor Frankenstein e das paisagens em que a história se desenrola têm uma textura física impressionante, fruto de sets construídos de verdade e de uma direção de arte que privilegia o concreto em vez do digital. Esse compromisso com a materialidade aparece nos detalhes das paredes, nas ferragens que cercam os experimentos e nas roupas que parecem ter uma vida própria, tudo moldado com uma intenção tátil que lembra filmes de fantasia mais do que meros filmes de horror. 

A câmera, muitas vezes em movimento fluido, acompanha os personagens em planos que exploram a profundidade de campo e a vastidão dos ambientes. Essa escolha de filmar quase como se estivesse “esculpindo” a cena, com amplas lentes que abraçam espaço e figura humana ao mesmo tempo, cria uma sensação de teatralidade e, ao mesmo tempo, de claustrofobia emocional. A fotografia investe em contrastes fortes entre luz e sombra, com uma paleta onde vermelhos profundos e negros intensos retornam como motivos visuais recorrentes, sugerindo tanto o sangue quanto o desconforto moral presente na história. 

No centro desse grande aparato estético estão as performances de Oscar Isaac como Victor Frankenstein e Jacob Elordi como a criatura. Isaac assume o cientista com um misto de grandiosidade e vulnerabilidade, exibindo uma obsessão que beira a mania, sem jamais perder completamente o traço humano que torna seu personagem crível. Há momentos em que sua determinação soa exagerada, como se carregasse camadas de ambição que por vezes sobrepujam o desenvolvimento orgânico da história, mas isso faz parte da proposta de Del Toro de retratar um homem que quer se igualar aos deuses. Elordi, por sua vez, entrega uma interpretação fisicamente exigente e emocionalmente carregada, escondendo grande parte de sua expressão sob próteses e maquiagem, mas deixando transparecer uma sensibilidade surpreendente nos olhos e nos gestos mais sutis. Há sequências em que a criatura é tocante e quase poética em sua busca por conexão, em outras ela se torna assustadora justamente por nos lembrar de quão solitário pode ser alguém sem pertencimento. 

A trilha sonora de Alexandre Desplat merece um parágrafo à parte. Sua música não tenta assustar de maneira óbvia como em muitos filmes de horror convencionais, mas trabalha com texturas melódicas e instrumentações que acompanham o ritmo emocional da cena. Cordas tensas, coro sutil e momentos de silêncio absoluto se alternam e contribuem para que o filme não se torne um espetáculo apenas visual, mas algo que envolve também o campo sonoro de forma expressiva e elegante. 

Apesar de todos esses méritos técnicos e artísticos, Frankenstein não escapa de problemas que o impedem de ser uma obra incontestável. A narrativa, em alguns momentos, se arrasta, comprometida por um ritmo que privilegia a contemplação visual mais do que o avanço dramático. Enquanto certas sequências ganham densidade e impacto, outras parecem prolongar sem necessidade cenas que pouco acrescentam ao desenvolvimento dos personagens ou ao arco principal. Isso cria um efeito de vaivém que, para um público acostumado a estruturas narrativas mais enxutas, pode parecer arrastado e até descompensado. 

Há também certa sensação de que o filme, em sua ambição de abraçar tudo que representa o mito de Frankenstein, acaba por diluir alguns temas mais profundos. A obra de Shelley é uma meditação poderosa sobre responsabilidade, isolamento e as consequências de ultrapassar limites éticos, mas aqui esses temas às vezes ficam enterrados sob o peso da estética e das grandes cenas visuais. Ainda assim, em muitas passagens, a reflexão sobre o que significa ser humano e sobre como a sociedade reage ao estranho e ao diferente emerge com força, especialmente nas interações mais calmas entre a criatura e personagens secundários que não o rejeitam imediatamente. 

Em termos de efeitos, a aposta no prático em vez de uma dependência excessiva de CGI se alterna com momentos digitais que nem sempre se integram de maneira orgânica. Certas sequências que envolvem fauna e ambientes naturais carregam um visual artificial que contrasta com a tangibilidade presente nos sets e nas maquiagens, criando uma dissonância que pode distrair espectadores atentos a detalhes técnicos. 

O elenco de apoio, incluindo Mia Goth e Christoph Waltz, contribui com performances que adicionam camadas ao mosaico emocional do filme, embora alguns desses personagens fiquem subdesenvolvidos em prol da relação central entre criador e criatura. Essa escolha narrativa reafirma o compromisso de Del Toro com um olhar íntimo sobre seus protagonistas, mas à custa de potencialmente deixar menos espaço para arcos secundários que enriqueceriam o universo. 

No final das contas, Frankenstein é um filme de contrastes. Ele impressiona visualmente, emociona em muitos momentos e demonstra uma sensibilidade notável para temas humanos profundos. Ao mesmo tempo, sua narrativa poderia ser mais focada e algumas escolhas estéticas, apesar de belas, carecem de economia dramática. Há uma sensação de que Del Toro despejou toda sua paixão e toda sua imaginação nesse projeto que ele esperou a vida toda para realizar, e isso se sente de forma palpável em cada cena. 

Essa ambição é ao mesmo tempo a maior força e a maior limitação da obra. Frankenstein tem cenas e sequências que ficarão na memória de quem aprecia cinema intenso e bem trabalhado, mas também pede paciência e vontade de se deixar levar por um ritmo que nem sempre recompensa na mesma medida. É um filme que encanta e frustra, que eleva e por vezes tropeça, mas que jamais passa despercebido — e justamente por isso merece ser visto, debatido e sentido, mesmo que não se torne a adaptação definitiva do clássico.