Nos Seus Sonhos tenta ser uma obra encantadora sobre a imaginação infantil e os laços familiares, mas acaba tropeçando em ideias soltas e numa narrativa que parece não saber exatamente para quem está destinada. A animação, disponível na Netflix desde novembro de 2025, coloca dois irmãos numa odisseia pelos próprios sonhos para encontrar o mítico Sandman e, com isso, “consertar” a família em crise. Essa configuração poderia render um filme sensível sobre mudança e medo, mas o roteiro não encontra consistência entre sequências surreais e reflexões mais profundas sobre os personagens, resultando numa experiência que muitas vezes confunde em vez de envolver.
Visualmente, o filme tenta impressionar. Os cenários oníricos são repletos de cores e formas extravagantes, criaturas bizarras e transições de plano que colocam o espectador literalmente dentro de um sonho. Esses momentos de criatividade plástica lembram muito o estilo das grandes animações familiares, como os clássicos da Pixar, mas ficam mais próximos de uma colagem de referências do que de uma visão própria e original. A estética é vistosa, sim, mas falta-lhe uma personalidade própria que a sustente fora dos efeitos visuais.
O maior problema é justamente esse: o filme parece ter um pé em várias tradições da animação moderna sem realmente dominar nenhuma delas. Ele mira simultaneamente crianças e adultos, mas termina num território que deixa ambos decepcionados. A sensação que se tem é de um produto que tentou assimilar a profundidade emocional de sucessos familiares e a energia caótica dos sonhos, mas não soube balancear esses elementos de modo que um complemente o outro.
Narrativamente, a história nunca engrena de verdade. Passagens que poderiam aprofundar a relação entre os protagonistas se diluem em cenas de humor deslocadas ou em ambientações oníricas que parecem existir apenas para impressionar com formas e cores, sem impacto real na evolução dos personagens. O arco dramático dos irmãos se dispersa em meio a uma sucessão de situações que mais parecem esquetes soltas do que etapas de uma jornada coerente.
A tentativa de ecoar o estilo das grandes animações também se estende à forma como o filme lida com emoções familiares complexas — como separação, medos infantis e aceitação — mas essas camadas mais densas são deixadas de lado em prol de um desenvolvimento simplista que não explora verdadeiramente o potencial do tema. Isso só reforça a impressão de que não há uma mão firme guiando o roteiro: o espectador se vê empurrado de um sonho visualmente chamativo para outro, sem a sensação de progresso dramático que sustenta narrativas verdadeiramente memoráveis.
Tecnicamente, a animação é competente — o design de personagens e a fluidez de movimento têm momentos agradáveis — e em certas sequências é possível reconhecer a habilidade da equipe criativa em imaginar cenas que escapam da literalidade do mundo real. Mesmo assim, essa competência plástica nunca é capaz de compensar a fragilidade da história. O ritmo oscila, ora lento e sem tensão, ora apressado demais, sem conseguir criar crescendos emocionais que realmente importem.
Um dos poucos aspectos que se salva é a música. A escolha de músicas reconhecidas internacionalmente e sua adaptação ao contexto do filme traz energia e nostalgia em alguns trechos, funcionando como um ponto de conexão com o público que, de outra forma, poderia se desinteressar completamente. A trilha sonora original também ajuda a dar algum corpo às sequências mais dramáticas, mas é exatamente aí que se percebe o contraste entre uma composição sonora com potencial e um roteiro que não sabe exatamente como capitalizar emocionalmente essas oportunidades.
A tentativa da Netflix de construir um produto de animação que converse com a tradição de estúdios mais consagrados é evidente, mas a execução revela que ainda há um longo caminho até que esse tipo de produção consiga se afirmar por mérito próprio. Ao buscar um meio-termo entre humor, fantasia e sentimento, Nos Seus Sonhos acaba ficando à deriva, com momentos bonitos que não se conectam entre si e um conjunto que se torna facilmente esquecível.
No fim das contas, essa animação não encontra público claro. Nem os adultos encontram profundidade emocional suficiente para justificar o investimento de tempo, nem as crianças recebem personagens ou acontecimentos simples e cativantes o bastante para que a narrativa lhes pareça clara e envolvente. O resultado é um filme visualmente ambicioso, com musicalidade competente, porém incapaz de converter esses pontos fortes em uma experiência cinematográfica satisfatória e coerente.
Não nego a competência técnica presente em algumas partes, mas reforço que técnica sem uma base narrativa sólida e personalidade própria dificilmente transforma uma obra em algo que permaneça na memória de quem assiste. Aqui, as imagens e sons coexistem sem realmente se fundirem numa proposta artística consistente, deixando Nos Seus Sonhos à mercê de lembranças fugazes — sonho que se dissolve ao amanhecer.
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