Páginas

dezembro 11, 2025

Os Roses: Até Que a Morte os Separe (2025)

 


Título original: The Roses
Direção: Jay Roach
Sinopse: A vida parece fácil para o casal perfeito Ivy e Theo: carreiras de sucesso, um casamento repleto de amor, filhos maravilhosos... mas por trás da fachada de sua suposta vida ideal, uma tempestade está se formando. Enquanto a carreira de Theo despenca, as ambições de Ivy decolam, e assim, o pavio de uma bomba de competição feroz e ressentimentos escondidos se acende.


Jay Roach dirige Os Roses: Até Que a Morte os Separe como quem monta um tabuleiro de xadrez em cima de uma mesa que já começou a ranger: a peça central é o duelo conjugal entre Ivy e Theo, interpretados com economia de gesto e nervo à flor da pele por Olivia Colman e Benedict Cumberbatch, e é nesse corpo-a-corpo de atores que o filme encontra seu pulso mais vivo — embora nem sempre constante. A premissa, uma reimaginação moderna de A Guerra dos Roses, coloca o casal num cenário que mistura classe média alta britânica transferida para um litoral californiano idílico, e a câmera observa com interesse as pequenas traições cotidianas que vão crescendo até virar falas cortantes, artimanhas e uma violência doméstica que se transforma em farsa trágica. 

Roach opta por um tom de comédia amarga que, em seus melhores momentos, acerta no equilíbrio entre o riso nervoso e o desconforto real — há um senso de timing cômico afinado que faz com que as escaladas de crueldade soem, por vezes, inventivas e perfeitamente encaixadas na lógica dos personagens. Mas o problema do filme é que essa máquina cômica funciona com um engrenamento desigual: em alguns trechos o ritmo é cortante, as pequenas cenas domésticas se transformam em set pieces de humilhação brilhantemente coreografadas; em outros, o filme se perde numa espécie de complacência com a repetição, como se acreditasse que insistir nas mesmas maldades seria automaticamente engraçado ou revelador. A sensação, no fim, é de um mecanismo narrativo que às vezes dá voltas demais sobre si mesmo. 

No campo da expressão visual, o filme privilegia enquadramentos que isolam os personagens em cômodos amplos e bem decorados, um contraste constante entre a promessa do lar perfeito e o caos interno que se instala. A iluminação e o tratamento da paleta — quentes nos momentos de aparente harmonia, mais frios quando as engrenagens da vingança começam a roçar — ajudam a sublinhar a hipocrisia do espaço doméstico. A montagem trabalha com cortes secos em momentos de conflito, acelerando a percepção de perda de controle; quando o filme desacelera, entretanto, o espectador sente uma espécie de alongamento dramático que nem sempre rende a profundidade emocional que a história pede. A trilha sonora aparece nos lugares certos: não pretende manipular sentimentalmente, mas insiste em criar um pano sonoro que realça a comicidade ácida e, ocasionalmente, uma melancolia subjacente. Tudo isso rende cenas visualmente elegantes, porém, por vezes, unidas por um fio emocional que não chega a tensionar o suficiente.

Colman e Cumberbatch sustentam o filme com atuações que oscilam entre o contido e o explosivo. Ela encontra nuances de frustração e ambição que evitam a caricatura fácil; ele passa da incredulidade ferida a um rancor quase juvenil de maneira plausível. Quando funcionam em conjunto, os diálogos têm faíscas — diálogos afiados que são interpretados com um recorte interno, como quem guarda para si uma vergonha que explode em sarcasmo. Nos momentos onde o roteiro pede escalada física ou situações abertamente escatológicas, o elenco se entrega com coragem, mas essas escolhas situam o filme perigosamente perto de um espetáculo de crueldade que pode afastar parte do público, porque a risada que se busca é, muitas vezes, a de quem observa a ruína alheia com distância segura. Para alguns, esse distanciamento será proposital; para outros, um mecanismo narrativo que evita a empatia. 

Dito isso, o tom satírico do filme tem mérito: há acidez social na maneira como o casal constrói uma competição íntima a partir de ambições profissionais, status e a psicologia do ressentimento. A crítica à performatividade da vida conjugal, ao culto do sucesso e à propaganda do lar perfeito é feita sem grandes sutilezas, mas com determinação — e é nesses momentos que o filme lembra por que a história original provocou tanta fissura social: porque revela como o amor pode virar contrato, e o contrato pode virar arma. No entanto, Roach, vindo de uma trajetória mais reconhecida por comédias tradicionais, às vezes parece incerto sobre até que ponto deve apertar o parafuso do humor negro e quando deve ceder à crise emocional autêntica; essa ambivalência torna o resultado final uma obra que quer irritar e comover em doses quase iguais, sem necessariamente dominar nenhuma das duas. 

O clímax — que culmina numa sequência doméstica cada vez mais perigosa e absurda, terminando em uma ruptura final que se dissolve numa imagem de explosão ambígua — deixa uma impressão ambivalente: é plástico e eficaz como metáfora, mas também abre mão de respostas que poderiam dar maior peso moral à narrativa. O desfecho funciona muito bem como comentário sobre a incapacidade do casal de se entender ou de reparar a própria violência, e, ao mesmo tempo, pisa em terreno fácil ao preferir um impacto final mais simbólico do que uma resolução trabalhada. Para quem procura um espelho clínico e ácido sobre as pequenas mortes que um casamento pode causar, o filme oferece imagens afiadamente compostas; para quem busca uma dissecação psicológica profunda e simpática dos personagens, sobra um sabor de superfície.

No fim das contas, Os Roses é um filme que oscila entre o presente e o derivado: é ambicioso ao reescrever uma fábula sobre casamento e propriedade para os tempos de redes sociais e economia emocional, e seu maior trunfo é a dupla central, que sustenta boa parte do que o roteiro pede. Mas falta-lhe consistência tonal e coragem autoral para empurrar a sátira até suas consequências morais mais duras sem recuar para o entretenimento seguro. É uma versão moderna que diverte, às vezes provoca e outras apenas imita a ferida, como quem prefere mostrar o corte a explicar a cura. Termino o filme com a sensação de que há ali boas ideias e interpretações sólidas, mas também com a vontade de que alguém tivesse arriscado um pouco mais — porque, neste território entre a comédia e a tragédia doméstica, o risco é precisamente o que transforma uma releitura decente em uma peça memorável.