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novembro 23, 2025

Xeno (2025)

 


Título original: Xeno
Direção: Matthew Loren Oates
Sinopse: Uma adolescente desenvolve um vínculo sobrenatural com um alienígena após ele cair no deserto. À medida que agentes do governo se aproximam, ela deve proteger seu novo amigo, enquanto descobre um segredo que pode mudar o destino de ambos os mundos.


Em Xeno, Matthew Loren Oates retoma um velho arquétipo da ficção científica — o encontro entre humano e alienígena — mas consegue revesti-lo de uma camada emocional madura e, ao mesmo tempo, profundamente sensível. A história gira em torno de Renee (interpretada com ternura e ferida por Lulu Wilson), uma adolescente marcada pela perda e pela solidão, que cruza seu caminho com uma criatura alienígena aterrorizante nas areias impiedosas de um deserto. Oates, que assina não só a direção, mas também o roteiro e a edição, constrói um filme que evoca lembranças de clássicos como E.T. e O Gigante de Ferro, sem, contudo, se render a imitações gratuitas — há na proposta um esforço claro para equilibrar nostalgia e novidade. 

Desde os primeiros minutos, somos envolvidos por uma atmosfera de mistério: a criatura, cuja forma já sugere perigo e vulnerabilidade, surge num impacto que lembra uma aterrissagem acidental, quase violenta — e não apenas uma visita amistosa. Logo o filme anuncia suas intenções de não romantizar o encontro simplesmente como um conto infantil de amizade, mas como um encontro moralmente ambíguo, onde medo e ternura se entrelaçam. 

Tecnicamente, Xeno impressiona sobretudo pela escolha de efeitos práticos na criação do alienígena. A criatura foi desenvolvida pela Jim Henson’s Creature Shop — o que já promete uma textura física que poucos CGI modernos conseguem alcançar. Iisso é um dos pontos mais fortes do filme: a criatura não é apenas um borrão digital, mas um ser tangível, cujos gestos — desde o tremor de uma pata até o brilho expressivo dos olhos — transmitem uma alma estranha. Esse realismo palpável enraíza o vínculo entre Renee e o alienígena em algo concreto: quando ela toca a criatura, sentimos o peso daquela relação como algo físico e sentido, não apenas simbólico. 

A cinematografia de Paul Marschall colabora para essa fusão entre ternura e tensão: as paisagens desérticas são filmadas com uma beleza seca que, ao mesmo tempo, sugere isolamento e vastidão, e reforça simbolicamente o estado emocional de Renee — ao passo que cenas mais intimistas, dentro de casas ou da própria CIA, usam luzes suaves e sombras para destacar a vulnerabilidade dos personagens, humanos e não humanos. Não é exploração visual vazia: cada enquadramento parece pensado para sublinhar a amizade improvável, e também o risco constante de descoberta por parte de agentes governamentais. 

No aspecto da direção de arte, o design da criatura tem algo de familiar e alienígena ao mesmo tempo — um monstro concebível, mas diferente de tudo que já vemos. Essa ambiguidade torna o alienígena mais interessante: ele pode assustar, mas, simultaneamente, emociona. Essa escolha reforça a ideia central do filme: o que separa o monstro do amigo pode ser tênue, e muitas vezes reside em nossa própria percepção.

Quanto à trilha sonora, a composição de Ryan Taubert ecoa os altos e baixos da jornada emocional de Renee. Há momentos de calma quase meditativa, seguidos por crescendos que anunciam perigo ou desespero, coordenando com precisão com a montagem de Oates — que alterna entre sequências de fuga, reencontros e revelações íntimas. A edição, embora comandada pelo próprio diretor, não se deixa levar por sentimentalismos fáceis: há cortes que privilegiam o silêncio, momentos para que o espectador respire, e outros para que sinta a urgência da perseguição. 

No elenco, Lulu Wilson se destaca com sua performance sincera. Ela carrega a dor da perda familiar, já que seu pai morreu em um acidente, e a mãe de Renee se afogou em sua própria tristeza. Sua interpretação transita entre a dureza de quem desconfia do mundo e a doçura de quem, aos poucos, aprende a amar algo totalmente “outro”. Ao lado dela, Omari Hardwick, no papel de Jonathan Keyes, traz uma presença paternal maléfica: sua voz, sua postura, criam uma espécie de peso adicional à instabilidade da vida de Renee. Também há contribuições memoráveis de Trae Romano, Wrenn Schmidt e Paul Schneider, que preenchem bem o universo humano com momentos de tensão, humor e conflito. 

Narrativamente, o filme não foge de clichés: é inegável que ele dialoga com “filmes de amizade alienígena” clássicos. No entanto, onde muitos poderiam se contentar com a fórmula confortável, Oates agrega camadas adicionais: ele introduz uma moral mais cinzenta, uma ameaça real de agentes do governo, e uma reviravolta no próprio alienígena — que não é necessariamente a criatura dócil que Renee esperava encontrar. Isso insere no filme uma tensão ética interessante: até onde Renee está disposta a ir para defender seu amigo? E até onde esse ser alienígena merece a confiança dela?

Embora o terceiro ato busque uma reta final emocional, nem sempre ele ressoa tão profundamente quanto poderia. Pode ser que há quem ache o encerramento apressado ou menos impactante do que o filme havia prometido nos momentos mais introvertidos. Ainda assim, para muitos, a força de Xeno não está apenas no clímax, mas no simples fato de ter construído uma amizade tão genuína entre mundos tão diferentes. 

Por fim, o mérito de Xeno reside mais na execução do que na originalidade: Oates toma emprestado um molde familiar, mas o molda com honestidade emocional, efeitos tangíveis e uma direção cuidadosa. É um filme que usa a ficção científica não apenas para maravilhar, mas para questionar — sobre empatia, medo, proteção e, principalmente, sobre o que significa pertencer. Não é apenas uma aventura pelo deserto; é uma jornada íntima de crescimento, descoberta e sacrifício. Para quem ama histórias de ficção científica com coração, com ética e com criaturas reais, Xeno oferece um universo palpável e honesto — e, acima de tudo, uma lembrança poderosa de que as amizades mais improváveis podem nos transformar.