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novembro 22, 2025

Mr. K (2025)

 


Título original: Mr. K
Direção: Tallulah Hazekamp Schwab
Sinopse: Depois de passar a noite em um hotel remoto, o Sr. K fica preso em um pesadelo claustrofóbico quando descobre que não pode sair do prédio.


Desde o começo, Mr. K se apresenta como um esforço ambicioso: um mágico itinerante (interpretado por Crispin Glover) desperta em um hotel e descobre que não consegue sair, mergulhando numa espécie de pesadelo kafkiano; a rotina de corredores, portas que parecem se fechar por vontade própria, personagens esquisitos que vivem nesse labirinto eterno. A premissa é atraente, certamente rica para um exercício de surrealismo, evocando Kafka, Kubrick e Lynch — como apontado em alguns materiais de divulgação. O problema é que, para todo esse potencial, o filme acaba sendo um exercício de estilo vazio, entediante, desconexo — pouco carregado de sentido real.

Tecnicamente, a produção até que tem méritos: a fotografia de Frank Griebe (responsável por capturar os corredores opressivos, as luzes esquisitas, os espaços deformados do hotel) é um dos pontos altos, conseguindo criar uma atmosfera inquietante e, em alguns momentos, bela. A direção de arte e o design de produção também merecem créditos: os ambientes, os objetos, os quartos, os figurinos contribuem para dar corpo a esse universo onírico. É realmente impressionante ver um cinema tão pensado visualmente, onde os corredores parecem respirar, as portas têm personalidade própria, e cada recanto do hotel tem uma textura visual que sugere algo além do real. Nisso, Mr. K quase convence — mas “quase” não basta quando tudo ao redor é desprovido de um fio condutor minimamente satisfatório.

Porque, infelizmente, o roteiro — também assinado por Tallulah Hazekamp Schwab — falha repetidamente em dar sentido àquilo que mostra. A cada nova cena, somos apresentados a mais personagens bizarros, mais situações surreais, mais eventos que parecem querer ser simbólicos, mas na prática soam gratuitos. Há uma banda marcial que aparece nos corredores sempre que K acha que está próximo de escapar, há cozinheiros, artistas flamboyant, moradores fixos do hotel que falam como se já estivessem ali há séculos — tudo jogado sem uma estrutura narrativa sólida. Em vez de uma metáfora potente, isso vira um desfile de cenas desconexas, onde não está claro o que se quer dizer: o que é, afinal, esse labirinto? É uma crítica social? Um comentário existencial? Uma simples fantasia artística? A resposta que o filme dá parece ser “todas essas coisas”, de forma tão vaga que acaba se perdendo no próprio estilo.

E aqui é onde mora a grande decepção: muita gente pode vir a dizer “ah, mas é uma metáfora sobre a burocracia, sobre o controle da realidade, sobre a alienação humana…” — sim, a diretora chegou a afirmar em entrevistas que o filme “explora a maneira como tentamos moldar a realidade em algo que podemos controlar” —, mas isso não basta para justificar a frustração do espectador. Não adianta teorizar sobre o simbolismo: no fim das contas, Mr. K é simplesmente entediante. As metáforas são tão preguiçosas quanto autoindulgentes, e a impressão que fica é de estar assistindo a uma colagem artística que poderia ter sido inspiradora, mas que se arrasta sem tensão dramática real.

Também é notável o que poderia ser considerado um desperdício de recursos. Isso porque Mr. K é uma coprodução europeia bastante robusta: a produção envolve Países Baixos, Bélgica e Noruega, com apoio de fundos como Eurimages, Screen Flanders, Flanders Audiovisual Fund, além de incentivos fiscais e outros subsídios europeus. Ou seja, houve aporte público significativo. E, antes dos créditos, o filme exibe justamente quantos países estão envolvidos nessa produção, deixando claro que muitas mãos, muitos governos, muitos recursos foram mobilizados para financiar esse “nonsense”. É um tipo de absurdo burocrático que costumo criticar quando ocorre no cinema brasileiro — “gasto de dinheiro público para algo autoral, esquisito, sem apelo popular” — e acaba sendo irônico constatar que na Europa também rola. Em outras palavras: ver esse labirinto kafkiano caro nos faz questionar para quem esse dinheiro está servindo, se para a arte ou para a vaidade de cineastas querendo impressionar com beleza plástica.

No elenco, há sim alguns pontos interessantes. Crispin Glover, por exemplo, continua sendo um mistério fascinante: o ator famoso por interpretar George McFly em De Volta para o Futuro envelheceu — de alguma forma — com graça, ou pelo menos de uma maneira muito peculiar, e sua presença aqui traz uma força peculiar à figura de Mr. K. Ele convence bastante, mesmo em papéis tão insólitos, e sua expressão — ora perdida, ora obcecada — ajuda a segurar parte do filme, ainda que seu personagem raramente tenha para onde ir em termos dramáticos. É impressionante vê-lo nesse tipo de produção absurda, tão fora dos parâmetros convencionais; ele é talvez o único com poder para dar um pouco de verossimilhança emocional a algo que, no roteiro, poderia ser completamente vazio.

O restante do elenco, porém, surge com personagens tão estranhos que pouco envolvem: há um chef de cozinha interpretado por Bjørn Sundquist, moradores de hotel que falam como se estivessem em outro tempo, artistas flamboyant e músicos-surpresa que entram e saem dos corredores como em um desfile de pesadelo. Mas pouco desses personagens são desenvolvidos de forma satisfatória — são mais objetos de decoração narrativa do que figuras de carne e osso. Isso reforça ainda mais a sensação de desconexão: estamos sempre saltando de cena em cena, sem um arco claro, sem um clímax convincente, sem um sentido que justifique a reunião desses elementos.

Em termos de ritmo, o filme também peca: seus 94 minutos não são suficientes para desenvolver tudo aquilo que parece querer dizer, mas também são longos demais para o que efetivamente entrega. Há momentos em que parece que nada acontece — pelo menos nada que mova a história adiante ou provoque uma reflexão verdadeira. O suspense que poderia emergir desse labirinto não se concretiza como tensão dramática, mas como monotonia estética. E a trilha sonora, de Stijn Cole, embora ajude a criar atmosfera, não salva o espetáculo do peso abstrato: a música, por vezes minimalista, por vezes estranha, funciona bem como pano de fundo, mas nunca como motor narrativo.

A montagem, por sua vez (assumida por Maarten Janssens) parece hesitar entre sustentar o ritmo claustrofóbico e interrompê-lo de maneira abrupta. Em alguns momentos, cortes longos reforçam a ideia de aprisionamento, mas em outros a montagem parece simplesmente pular de uma sequência absurda para outra, sem propor um arco realmente satisfatório. Essa oscilação gera uma experiência que alterna entre sonolência e frustração.

Por mais que se possa admirar a ambição visual, a direção de arte, a fotografia e a presença carismática (e bizarra) de Glover, no fim das contas Mr. K é um filme que se afunda no próprio discurso estético. Ele parece mais preocupado em impressionar com simbolismos visuais do que em construir algo consistente para o espectador se conectar, e isso torna a experiência cansativa — para não dizer pretensiosa. A sensação que fica é: “Se isso é cinema filosófico, é um cinema que filosofa de forma preguiçosa.”

É uma pena, porque a proposta era promissora. Um mágico preso em um edifício labiríntico, um comentário sobre controle, realidade e isolamento — poderia resultar num thriller psicológico potente, numa alegoria existencial densa. Mas a execução falha em equilibrar estilo e substância. Ao final, o público permanece mais perplexo do que impactado, mais entediado do que estimulado. A direção de Tallulah Hazekamp Schwab demonstra talento para criar imagens memoráveis, mas falta coerência narrativa para dar peso ao que está sendo mostrado.

Portanto, embora Mr. K tenha momentos visualmente bonitos e uma atmosfera rica, é difícil defendê-lo como um filme bem-sucedido em termos dramáticos ou simbólicos. E, dado o investimento público de vários países europeus, essa frustração se intensifica: não é apenas um filme autoral que passa batido, é um projeto custoso que, no final das contas, entrega pouco além de estética abstrata e ideias desconectadas. É uma experiência para poucos — talvez para quem adora surrealismo de galeria —, mas não para quem busca um filme com sentido real, envolvimento emocional ou um arco narrativo minimamente satisfatório.

Se eu tivesse que resumir, diria isto: Mr. K é uma bela frustração — um show de design de produção, sem trama convincente; um sonho kafkiano que acaba dormindo em si mesmo.