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novembro 21, 2025

O Frio da Morte (2025)

 


Título original: Dead of Winter
Direção: Brian Kirk
Sinopse: Uma mulher, viajando sozinha pelo norte de Minnesota, coberto de neve, interrompe o sequestro de uma adolescente. A horas da cidade mais próxima e sem sinal de telefone, ela percebe que é a única esperança da jovem.


Quando um filme decide reduzir a sua existência ao mínimo necessário — uma geografia hostil, um conflito elementar entre predador e presa, e uma personagem central que vai se revelar mais resistente do que a aparência sugere — ele pode tanto atingir uma pungência quase fábula quanto afundar na previsibilidade do gênero. O Frio da Morte caminha por essa corda bamba com elegância e algumas escorregadas: é, ao mesmo tempo, um exercício eficiente de suspense e um estudo de caráter que por vezes se perde na sua própria economia narrativa. O mérito maior do filme é, sem dúvida, trazer Emma Thompson para um território inesperado: longe das inflexões mais conhecidas de sua carreira, ela encarna Barb, uma viúva-proprietária-de-loja-de-pesca que atravessa uma tempestade de neve até topar, por acaso — e por obrigação moral — com um sequestro que se desenrola numa cabana isolada. A premissa é simples; o que a película tenta fazer com essa simplicidade é o que define seu valor.

Brian Kirk, cujo currículo televisivo (e ocasional cinematográfico) revela apuro para construir atmosferas tensas e sequências contidas, privilegia aqui uma mise-en-scène severa: planos longos sobre a paisagem branca, enquadramentos que isolam corpos e objetos na vastidão gelada, e uma câmera que observa os personagens quase como se fossem peças deslocadas num tabuleiro. Christopher Ross, na fotografia, explora o contraste entre o branco cortante da neve e o vermelho escuro do sangue ou o marrom gasto da cabana; há um cuidado quase pictórico em como a luz de inverno recorta faces e texturas, conferindo ao filme um frio quase táctil. A edição de Tim Murrell mantém o ritmo enxuto — sem grandes artifícios — e aposta mais na progressão tensa do que no susto fácil, permitindo que o suspense se acumule por já contrastes de silêncio e pequenas ações (um olho que se abre, uma porta que range, um nó que se aperta). Esses elementos técnicos ajudam a construir o que o roteiro pretende: um confronto primitivo, caldo de tensão humana servido em um cenário natural implacável. 

O roteiro, assinado por Nicholas Jacobson-Larson e Dalton Leeb, prefere a economia dramática a grandes explicações. É um roteiro de situações: deixa a história pessoal de Barb em segundo plano, contendo memórias e perdas em gestos e objetos (o estojo de pesca do marido, as cinzas, a viagem ritual ao lago), enquanto põe em cena o perigo imediato — Marc Menchaca e Judy Greer formam o casal ameaçador, simplificado na caricatura do casal desesperado e violento. Essa escolha tem consequências estéticas e morais: ao reduzir motivações a instintos, o filme ganha em intensidade mas perde ocasionais nuances. Há momentos em que a trama avança por necessidade funcional — uma porta se abre porque o roteiro precisa que ela abra — e isso tira um pouco a credibilidade psicológica de alguns atos. Ainda assim, em termos de economia dramática, o roteiro funciona: ele conhece os beats do thriller e sabe como levá-los até um clímax que mistura fúria e astúcia. 

Emma Thompson é a âncora emocional e prática do filme. Sua Barb não é uma heroína forjada em vingança cinematográfica; é uma mulher que aprendeu a viver com o silêncio do frio e com pequenas rotinas de sobrevivência — e é essa familiaridade com o elemento que a torna perigosa em sua própria medida. Thompson encontra, no temperamento de Barb, um raro equilíbrio entre doçura e dureza: a atriz entrega humor seco, empatia contida e uma economia física que torna verossímil a transformação de vítima eventual em agente. Essa performance é, de fato, o que sustenta muita da tensão: quando Thompson costura uma ferida com um anzol ou usa conhecimentos de pesca para armar uma armadilha, o espectador acredita porque a atriz dá veracidade técnica aos gestos. As críticas que acompanhavam as primeiras exibições — que elogiaram essa guinada de seu repertório para um papel mais físico e duro — não são gratuitas. 

O resto do elenco e os cenários cumprem bem seu papel: Laurel Marsden, como a jovem em cativeiro, funciona acima de tudo como alvo humano cujo sofrimento e esperança orientam as escolhas da protagonista; Menchaca e Greer são eficientes como forças antagonistas sem serem caricaturas vazias, embora, novamente, o roteiro os deixe mais no registro do arquétipo. A direção de arte e os detalhes de produção — desde o desgaste das roupas até os utensílios de pesca — reforçam a sensação de realismo rústico que o filme quer alcançar. Algumas decisões de tonalidade, porém, soam convenientes demais: a repetição de certas soluções (o uso de buracos no gelo, armadilhas improvisadas, a necessidade de cortes extremos para gravidade dramática) remete com frequência a outros filmes do mesmo molde (há ecos de Fargo e do cinema de vingança rural), o que por um lado é confortável para o espectador, por outro o impede de ser totalmente original. 

Musicalmente, a trilha de Volker Bertelmann (também creditada como Hauschka em outros trabalhos) privilegia texturas mais do que melodias; há momentos em que a trilha amplia a claustrofobia e outros em que silencia, deixando o ruído do vento e da neve tomarem conta da cena. Essa aposta no som ambiente como componente narrativo é inteligente — o frio vira personagem — mas em algumas sequências a ausência de variação sonora contribui para uma sensação de repetição que poderia ter sido evitada por arranjos mais ousados. 

No balanço final, O Frio da Morte é um thriller bem executado, com uma atuação central que justifica o interesse e um desenho técnico sólido que torna a experiência cinematográfica satisfatória. Mas é também um filme que, ao escolher a clareza e a eficiência do gênero, abre mão de camadas que teriam tornado sua obsessão pelo realismo e pela violência mais complexa e perturbadora. Há grandeza nas pequenas soluções — a forma como a paisagem é usada, a economia de diálogos, a contundência física de Thompson — e há previsibilidade nas estruturas. Para quem busca um thriller frio, bem filmado e sustentado por uma protagonista memorável, aqui há prazer; para quem deseja subversão formal ou moral, ficará faltando algo a mais.

Pessoalmente, guardo do filme a imagem de Emma Thompson dominando a neve como se fosse cena de teatro íntimo: ela dá ao filme humanidade suficiente para que, mesmo quando a trama tropeça na previsibilidade do gênero, a empatia do espectador nunca se perca completamente. O Frio da Morte não reinventa o thriller, mas o executa com competência, carinho técnico e, sobretudo, uma atriz capaz de transformar um gesto cotidiano em ato heroico — e é nessa transfiguração, simples e circular, que o filme encontra sua razão de ser.