Há filmes de terror que urram e há filmes de terror que sussurram — e Maldição Eterna pertence, sem hesitação, ao segundo grupo. O novo longa de Arró Stefánsson não busca dominar a sala de cinema pelo volume ou pelo artifício, mas pelo acúmulo silencioso de pequenos desconfortos, como rachaduras que se multiplicam no reboco de uma parede antiga. Seu horror nasce menos de aparições e mais daquilo que se carrega sem admitir; um terror íntimo, quase doméstico, que se infiltra sem pressa.
A história acompanha Ingi, vivido com intensidade contida por Hjörtur Jóhann Jónsson, um pai que tenta reconstruir a própria vida após um trauma que o acompanha como sombra. Para pagar as contas, ele aluga um apartamento para turistas — prática banal, até o dia em que um dos hóspedes é encontrado morto em circunstâncias estranhas. Ao lidar com os pertences do visitante, Ingi descobre uma caixa metálica de origem indefinida, e esse objeto, aparentemente inocente, instala uma fissura na realidade. É a partir desse ponto que a narrativa desliza para um terror psicológico denso, alimentado pela ideia de que certos segredos nunca deveriam ser abertos.
O diretor filma a jornada de Ingi com uma contenção quase ritualística. A fotografia, que privilegia a proporção mais clássica e imagens de enquadramento imóvel, cria uma sensação de vigilância permanente — como se a câmera estivesse sempre espiando por uma fresta. Os ambientes parecem reais, palpáveis, mas carregados de uma aura de estranhamento: corredores onde a luz jamais chega por completo, objetos aparentemente triviais que ganham peso simbólico, sombras que crescem sem se mover. É um terror de atmosfera, não de espetáculo.
A casa de Ingi funciona como extensão de seu estado emocional. Há um sentimento de clausura, de espaços que já foram familiares mas agora parecem levemente fora de foco, como se o protagonista tivesse voltado para um lar que não reconhece mais. Os tons desbotados, o uso de luz natural, o silêncio que preenche quase todas as cenas — tudo colabora para essa sensação de melancolia assombrada.
A caixa metálica é o núcleo simbólico do filme. Não se trata de um artefato sobrenatural óbvio, mas de um objeto filmado com atenção quase reverencial, carregado de textura, peso e mistério. Seu som, quando manuseada, se torna parte da trilha sonora: metal raspando, fechaduras rangendo, pequenos estalidos que amplificam a inquietação. O design de som, aliás, é uma das grandes forças do longa — um trabalho minucioso que compreende que o silêncio, quando bem utilizado, pode ser mais perturbador que qualquer rugido demoníaco.
No elenco de apoio, Heiðdís Chadwick Hlynsdóttir e Jóhann Sigurðarson reforçam a atmosfera de realismo sombrio. Suas atuações nunca são expansivas; tudo é mantido no campo da contenção, do olhar prolongado, da palavra dita com hesitação. Stefánsson constrói seus personagens como peças de um mosaico emocional, cada um contribuindo para a impressão de que algo está profundamente errado, ainda que ninguém consiga explicar exatamente o quê.
A montagem segue essa mesma lógica: cortes econômicos, planos longos, momentos que parecem se prolongar além do confortável. É uma edição que opera na fricção entre o tempo real e o tempo emocional, fazendo o espectador permanecer onde não quer permanecer. Não há pressa. O terror se acumula lentamente, assim como a culpa, assim como o arrependimento que corrói o protagonista.
Quando o filme finalmente escancara suas intenções, já estamos emocionalmente entrelaçados a Ingi. Mas esse é também o ponto onde Maldição Eterna encontra pequenas limitações. A narrativa, tão focada na sugestão e no mistério, hesita em dar respostas — e essa recusa pode soar menos como escolha estética e mais como timidez dramática. A maldição nunca se revela por completo; seu funcionamento e sua origem permanecem envoltos em um véu quase abstrato. Para alguns, será um gesto poético; para outros, uma falta de coragem em assumir plenamente o sobrenatural.
Ainda assim, há algo profundamente humano na forma como Stefánsson amarra tudo. A maldição, mais do que um fenômeno externo, é metáfora para o trauma, para as escolhas que tentamos esquecer, para o passado que nunca nos abandona. Ingi não luta contra um espírito — luta contra si mesmo. E é essa tensão, mais do que qualquer artifício, que dá vida ao filme.
O trabalho de Jónsson é marcante pela simplicidade: ele interpreta um homem quebrado tentando parecer inteiro, um pai que sabe que deve proteger sua família mas que não consegue sequer proteger a si mesmo. A cada cena, há a sensação de que ele está à beira da implosão — e essa vulnerabilidade é o que mantém o filme de pé, mesmo quando o roteiro escorrega ou se repete.
Maldição Eterna é, no fim, um filme de pequenos horrores: um suspiro ouvido no corredor, um objeto que não deveria estar ali, uma memória que insiste em retornar. Stefánsson parece mais interessado em sugerir do que em mostrar; mais interessado na ferida do que no sangue. Sua obra não pretende reinventar o terror — pretende, sim, cultivar um incômodo lento, que permanece após os créditos.
E talvez esteja exatamente aí o valor do filme: ele não se impõe, não grita, não explode. Ele corrói. Ele persiste. Ele volta no silêncio da madrugada, como a lembrança de algo que nunca deveria ter sido encontrado.
Maldição Eterna termina sem oferecer conforto — mas também sem forçar terror. E é nessa ambiguidade, nessa pausa entre o que vemos e o que imaginamos, que reside sua força mais duradoura. É um filme que não fecha portas; apenas as deixa ranger. E, às vezes, isso é muito mais perturbador.
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