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novembro 10, 2025

Missão: Impossível - O Acerto Final (2025)

 


Título original: Mission: Impossible - The Final Reckoning
Direção: Christopher McQuarrie
Sinopse: Depois de escapar de um acidente de trem calamitoso, Ethan percebe que a Entidade está escondida a bordo de um antigo submarino russo, mas um inimigo do seu passado chamado Gabriel também está no encalço.


Quando se firma a hipótese de que uma franquia de ação precisa encerrar com estrondo, McQuarrie acerta parte do alvo: este oitavo capítulo da saga do agente Ethan Hunt (Tom Cruise) busca ser esse desfecho com ambição, escala e – sobretudo – com uma profusão de cenas de risco que já se tornaram assinatura. No entanto, o que para alguns será um espetáculo adrenérgico digno da promessa, para outros estará marcado por compromissos narrativos e por tentativas de “grande filme” que nem sempre se sustentam. Vamos aos pormenores técnicos e artísticos.

O filme se apresenta com um orçamento colossal (entre US$ 300 e 400 milhões segundo estimativas) e locações distribuídas por Inglaterra, Malta, África do Sul e Noruega. A fotografia de Fraser Taggart explora esse mundo de ação global de forma competente, alternando ambientes fechados, submarinos, ilhas remotas, aviões vintage e tecnologia de ponta, tudo compondo uma paleta que vai dos azuis profundos do oceano aos ocres saturados das savanas africanas, até os brancos árticos. Essa alternância de ambientes dá um ritmo visual interessante — e em muitos momentos empolgante.

No entanto, a própria duração — cerca de 170 minutos segundo as informações — exige do espectador preparo para acompanhar a logística da narrativa. Em diversos trechos, a montagem de Eddie Hamilton sacrifica rapidez por espetáculo, o que gera sequências de grande impacto visual, mas também alguns momentos em que a sensação de “enrolação técnica” aparece — quando a estética da ação parece sobrepor-se à articulação dramática.

No enredo, seguimos Ethan Hunt e sua equipe da IMF tentando deter a entidade de inteligência artificial conhecida como “a Entidade” (Entity), que tomou controle de sistemas nucleares e instituiu uma espécie de culto apocalíptico ao seu redor. A proposta reúne ingredientes clássicos da série — traição, tecnologia, espionagem — e busca fechá-los com “tudo ou nada”. O subtítulo “O Acerto Final” já anuncia que estamos em modo conclusão.

McQuarrie, que assina roteiro ao lado de Erik Jendresen, equilibra referências ao passado da franquia (com personagens veteranos como Simon Pegg, Ving Rhames, Henry Czerny) e a urgência de entregar algo conclusivo. Há mérito nessa espécie de “grande reunião”, pois oferece aos fãs tempo de tela para ver os personagens interagindo, em especial a dupla Hunt–Benji (Pegg) e o hacker Luther (Czerny). Esse alicerce de camaradagem sempre foi parte da força da série.

Mas eis o “porém”: o peso da ambição narrativa faz com que parte da história se perca em digressões, explicações tecnológicas e “threads” paralelas demais. Por exemplo, a motivação da Entidade e a explicação de como o sistema nuclear está sob seu controle ficam num limbo entre o plausível dentro do universo da franquia e o exagerado ficcional — e para esse espectador que prefere tensão ao espetáculo em volume, esse excesso não ajuda. Há momentos em que a urgência dramática se dilui em “vamos mostrar a escala”, o que compromete um pouco o pulso narrativo.

Se o roteiro é ambíguo ou pesado em algumas passagens, a ação não falha em entregar — e aqui o filme justifica boa parte do investimento. O ato de “wing-walking” num biplano, as sequências subaquáticas ou no interior de um submarino russo afundado reclamam atenção. Foram rodadas com Cruise realizando muitos de seus próprios stunts, o que fortalece o realismo físico: há uma visceralidade que poucos filmes de ação alcançam hoje com tanta intensidade. A cenografia e o design de produção abraçam isso: o ambiente do submarino, as máquinas nucleares, os consoles de controle, tudo composto com verniz técnico-industrial e projeção de perigo iminente.

A edição de Hamilton e a coreografia das cenas de ação mantêm um ritmo que, mesmo no segmento mais “explicativo”, retoma o pulso quando precisamos — explosões, perseguições, quedas, saltos. A montagem oscilante entre tensão e espetáculo funciona bem para o que se propõe: um capítulo final que quer fazer valer a pena o investimento. Ainda assim, há sequências em que a música ou o som são usados de forma “bombástica” demais, numa tentativa de elevar emocionalmente o desastre iminente, o que em certa medida tira a sutileza da cena.

Tom Cruise entrega novamente uma performance “à la Ethan Hunt”: carismático, invencível (ou quase), com humanidade contada nos gestos e no olhar mais do que em grandes monólogos. É uma atuação adequada ao personagem que ele vem construindo há décadas — o herói que corre contra o relógio, que vive para a missão, que tem feridas, perdas, mas continua. Ao seu lado, Hayley Atwell como Grace acrescenta uma energia diferente: não é apenas “a parceira” típica, mas traz leveza, ironia e um certo charme que contrabalança a severidade da missão. Ving Rhames e Simon Pegg oferecem o tipo de suporte que o público já espera: conforto, familiaridade, humor, e foram bem integrados ao contexto mais grave do enredo. O vilão, interpretado por Esai Morales como Gabriel, apesar de legítimo no papel, peca por não alcançar a mesma densidade emocional de antagonistas mais memoráveis da série — o que diminui, em certa medida, o embate interno de Hunt (que em outros filmes tinha adversários mais “humanos” ou com motivações mais exploradas).

A trilha sonora, a cargo de Max Aruj e Alfie Godfrey, toma como base o tema clássico de Lalo Schifrin, mas tenta modernizar o som com eletrônica, orquestra de alta voltagem e percussão ativa. Funciona bem nos momentos de ação, sustentando o ritmo, mas em cenas de menor movimentação ela fica quase como “preenchimento” estético – o que não incomoda, mas impede que a música se torne memorável como em alguns antecedentes da franquia. Os efeitos sonoros — explosões, colapsos, motores, sistemas sendo invadidos — são de alto padrão técnico: o som imersivo coloca o espectador no compartimento de comando, na cabine do avião, sob a água ou na sala de servidores. Essa excelência técnica requereu mixagem compatível (há indicações de som Dolby Atmos nas versões premium).

Um aspecto interessante: a centralização de uma inteligência artificial como antagonista final traz uma camada “moderna” ao filme, diferente dos habituais terroristas ou traições internas. Isso permite pensar sobre controle tecnológico, soberania, vigilância — embora o filme não se aprofunde a fundo nesses temas, prefere utilizá-los como motor de ação. O que se vê, porém, é um meta-momento da saga: Hunt, que há muito tempo executa missões impossíveis em nome de nações ou organizações, está agora num projeto que liga tecnologia, humanidade e religião (o culto à Entidade). Essa elevação simbólica é ambiciosa: o herói não salva apenas pessoas, mas a própria condição humana sob risco de obsolescência. No entanto, essa ambição compete — e por vezes perde — para o desejo de espetáculo e efeito. Fica a sensação de que o filme queria dar “algo maior” à saga, mas parte desse “algo maior” se traduz apenas em efeitos visuais e escala, não necessariamente em profundidade filosófica.

Entre os méritos inegáveis está a conjugação de espetáculo físico e tensional — quem gosta de cena de ação bem construída e com protagonismo real de seu astro verá ali um dos melhores capítulos da franquia. A fidelidade à identidade da série, o uso de locações reais, o protagonismo de Cruise como motor humano da ação, tudo isso credencia o filme como capítulo digno. A equipe técnica está afinada, o design de produção e a cinematografia entregam um produto visual de impacto, e o enredo, mesmo expansivo, honra o legado da saga.

Por outro lado, as falhas são visíveis: a narrativa poderia ter sido mais enxuta, com menos explicações de tecnologia e “threads” paralelas que dispersam; o vilão carece de densidade comparativa; o tom de conclusão — inevitável — puxa para a autocelebração de franquia (“olha o que fizemos até aqui”) mais do que para o fechamento absolutamente necessário da história. Para quem esperava um thriller de espionagem mais íntimo ou contido, há sensação de “mais do mesmo, porém maior”. E para quem rechaça grandiosidade excessiva, as escolhas podem soar como exageradas.

Em última análise, Missão: Impossível – O Acerto Final alcança — com notável competência — o que se propõe: finalizar a longa saga de Ethan Hunt com máxima entrega técnica, visual e espetacular. Mesmo sabendo das aspirações ambiciosas e dos ingredientes grandiosos, o filme mantém um núcleo funcional, honrando os personagens centrais e oferecendo ao fã da franquia o tipo de aventura que esperava. Ainda assim, por vezes paga o preço de sua própria escala — a pretensão de “último capítulo” leva a escolhas que nem sempre favorecem o ritmo ou a economia narrativa.

Minha opinião pessoal: trata-se de um fechamento que cumpre sua missão com dignidade, entrega as cenas de ação com fôlego e respeita sua mitologia — mas não se torna inquestionavelmente clássico porque opta pela grandiosidade em vez da contenção, pela explicitação em vez da sutileza. Em tempos em que a questão “como terminar bem” é tão difícil quanto “como começar bem”, este filme chega perto — e para muitos será uma missão cumprida. E, no fim, se Ethan Hunt deve descansar ou continuar, fica a sensação de que ao menos ele partiu em grande estilo.