Descendent surge sob o comando de Peter Cilella com uma proposta ambiciosa: mesclar o íntimo e o traumático, a claustrofobia familiar e o mistério alienígena. A ideia soa promissora no papel, mas o resultado na tela se perde em promessas não cumpridas. Desde o primeiro momento, percebe-se que o filme não consegue segurar a atenção do espectador — jamais nos fisga, sequer por instantes.
A fotografia de Alexander Chinnici traz composições cuidadosas: closes que tentam revelar algo mais profundo, corredores vazios e quartos iluminados como limiares entre sonho e vigília. A trilha de Tyler Strickland, apesar de discreta, cria camadas sonoras capazes de sugerir penumbra e tensão. O som em si se revela bem executado, quase competente. Mas aí está o problema: técnica não basta. Quando a mise-en-scène é bonita e bem cuidada, espera-se que ela carregue junto uma história sólida; aqui ela apenas adorna buracos narrativos.
E o roteiro — como dizer de outra forma — é confuso, arrastado, repetitivo. Tudo ali gira em torno de Sean, interpretado por Ross Marquand, que a cada poucas cenas acorda de pesadelo: ele acorda, ofegante; corta para o que parece ser realidade, depois sonho, depois pesadelo de novo. São dezenas de repetições dessa estrutura, até que a estratégia torna-se insistente e, sobretudo, cansativa. Dá pra ver que os alienígenas são coisa da cabeça dele. A insistência nessa lógica — mas sem que o filme a torne interessante ou reveladora — gera irritação: porque você espera que algo novo surja e não surge.
Em muitos momentos, o filme parece querer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. Há quem diga que trata de trauma, de memória, de culpa paterna, de invasão externa — no entanto, ao acompanhar a narrativa, fica claro que nenhuma dessas leituras está firmemente sustentada: “Dizem que o filme é uma metáfora a muita coisa. Cada pessoa diz uma coisa. Ou seja, não é metáfora de nada. É só um filme muito ruim mesmo, com um roteiro confuso, arrastado.” O texto fílmico se fragmenta e não se reagrupa. Não se trata de uma ambiguidade elegante, mas de uma dispersão que esvazia a experiência.
O filme também não se define genericamente. Ele se apresenta como suspense, como drama familiar, talvez como sci-fi de abdução — porém não assume nenhuma dessas vias com convicção. Não é filme sobre extraterrestres; nem é um drama familiar centrado no relacionamento de Sean com a esposa Andrea (vivida por Sarah Bolger) ou com o filho; tampouco navega com fluidez como um suspense psicológico. O resultado: não é filme sobre extraterrestres, nem drama familiar, nem suspense, nada. O roteiro atira para todo lado e não acerta em lugar nenhum. Não há ângulo dominante, não há peso dramático, não há claridade de direção.
As performances merecem ser mencionadas: Marquand tenta imprimir densidade à figura de Sean, e Bolger equilibra cuidados e tensões em sua Andrea. Em outros filmes, ambos já demonstraram recursos e sensibilidade. Aqui fazem o possível — mas o texto não lhes dá apoio. Atuação por si só não sustenta narrativa. A sensação que fica: personagens que circulam no filme, sem nunca adquirir corpo pleno ou mobilizar emocionalmente.
O ritmo é implacável — na lentidão —, como se o filme arrastasse seus minutos só para cumprir tempo. Cenas prolongam-se sem necessidade, sem revelar algo novo ou mover o arco dramático. O espectador aguarda por uma virada, um momento decisivo, um choque ou uma revelação — e nada disso acontece com contundência. Em vez disso, voltamos ao esquema dos pesadelos, dos acordares, das luzes tremeluzindo, dos corredores vazios, da dúvida permanente sobre o que está acontecendo. Essa repetição se torna monótona: não provoca reflexão ou desconforto de modo produtivo — simplesmente aborrece.
Há, ainda, um problema de escala: ideias que poderiam render um filme mais curto, mais direto, mais intenso, são esticadas para um formato longo sem uma ponte narrativa que justifique esse alongamento. O resultado é que a proposta se dilui. A vontade de sugerir mais do que mostrar, de insinuar em vez de explicar, até poderia funcionar — mas funcionar exige controle, economia, ritmo. Aqui, temos justamente o oposto.
Em suma — e aqui faço minha opinião pessoal com clareza — Descendent tenta, quase falha, mas acaba falhando plenamente em transformar sua ambição em realização. Há lampejos técnicos interessantes, cuidados de produção visíveis, e boas intenções no elenco e na atmosfera. Mas nada disso se traduz em cinema que envolva, comova ou instigue. O filme não prende, não toca fundo, não se sustenta narrativamente. E fica a sensação de ter assistido a algo que poderia ter sido mais – muito mais – se apenas tivesse escolhido onde mirar e falado com mais convicção. No fim, fica o vazio estilizado de uma história que se recusa a dizer o que quer dizer.
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