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novembro 27, 2025

GOAT (2025)

 


Título original: HIM
Direção: Justin Tipping
Sinopse: Um atleta promissor é convidado a treinar com a estrela da equipe que está prestes a se aposentar.


O novo filme de Justin Tipping inaugura um território tênue e perigoso: o encontro entre o universo esportivo — com toda a sua carga de suor, ambição e sacrifício — e o horror psicológico e simbólico. GOAT tenta transpor o glamour e o suor do futebol americano para uma fábula sombria, em que a busca pela excelência física, idolatria e a obsessão pela glória se transformam em ritual de autoaniquilação. A premissa é potente: o jovem quarterback Cameron “Cam” Cade — interpretado por Tyriq Withers —, traçado pela ambição desde menino, sofre uma lesão traumática. Sob a tutela do lendário ex-quarterback Isaiah White, vivido por Marlon Wayans, Cam aceita o desafio de treinar numa espécie de refúgio isolado. O que começa como reabilitação e promessa de sucesso se transforma numa espiral de horror, delírio e sacrifício — e o filme não hesita em mergulhar o espectador num pesadelo sensorial. 

Visualmente, GOAT consegue ser ao mesmo tempo sedutor e atordoante. A fotografia de Kira Kelly aposta em contrastes dramáticos: os campos de treino e salas iluminadas artificialmente evocam a crueza do esporte profissional, enquanto a propriedade isolada, no deserto, ganha tons de sonho febril — claustrofobia cromática que denuncia o quanto a aspiração à glória está enraizada em sacrifício.  A montagem de Taylor Joy Mason reforça essa oscilação entre corpo e mente, marcando o ritmo com cortes secos nos treinos físicos, transições difusas nas visões e um crescendo crescente de tensão, especialmente nos momentos de lesão ou colapso. A trilha sonora de Bobby Krlic complementa essa ambiência com texturas densas e graves — batidas que se assemelham a batimentos cardíacos, drones orquestrais que parecem estremecer ossos —, evocando a sensação de que o corpo não é apenas veículo, mas campo de batalha, matriz de dor e sacrifício. 

O diretor opta por transformar o futebol não em esporte-palco, mas em rito: o treinamento, os exercícios, a repetição de dores, lesões, o culto ao ídolo — tudo é ritualizado. Muitas imagens evocam iconografia religiosa e sacrificial, como se a glória esportiva fosse promissora de transcendência — algo que a pele do atleta deveria pagar com sofrimento. Mas a ambição simbólica do filme escorrega ocasionalmente: o horror místico, as alucinações, os traços de fanatismo misturam-se de tal forma que o espectador fica sem certeza se tudo aquilo é real, internalização da dor ou delírio pós-trauma. O terror, quando sai do campo físico e invade o mental, torna-se ardiloso — e ao mesmo tempo, por vezes, confuso. Muitos dos símbolos usados soam mais como adereços de horror do que como estratégia dramática consistente. 

É aqui que as atuações se tornam centrais: Tyriq Withers e Marlon Wayans carregam nas costas o peso da ambição do filme — e conseguem, com mérito, sustentar grande parte da tensão. Withers entrega um Cam marcado por vulnerabilidade, desejo e ambivalência: ele não é o herói idealizado, mas um jovem deformado pela pressão, pela idolatria e pela ferida interna — física e existencial. Wayans, numa guinada de imagem, abandona o tom cômico que lhe marcou a carreira e assume um papel sombrio, hipnótico e ameaçador como Isaiah White; é a presença dele — imponente, magnética e saturada de vaidade — que transforma parte da obra em algo inquietante e imprevisível. 

Com tudo isso, o filme jamais se permite ser confortável. Há momentos de incômodo, de estranhamento — e isso é uma escolha narrativa: GOAT não busca o aplauso fácil, não quer ser mais do mesmo. A mistura de esporte, horror corporal, trauma psicológico e culto ao ídolo se torna um espelho distorcido da obsessão moderna pela performance, pela superação a qualquer custo, pela mania de grandeza embalada em glória e sangue. Porém, essa ambição estética e simbólica vem acompanhada de erros estruturais. A proposta de horror simbólico e catártico perde força quando o filme opta por imagens chocantes desconectadas da construção dramática; há trechos em que o ritmo cai, personagens secundários pouco contribuem, e o terror psicológico perde sustentação — restando, por vezes, uma sucessão de cenas visuais fortes, mas vazias de impacto narrativo. 

Mesmo com seus problemas, GOAT reserva uma virada que transforma o desespero do filme em algo visceralmente memorável: a sequência final. Num desfecho carregado de violência estilizada, horror quase operístico e embates simbólicos entre idolatria e destruição, o filme libera todo o seu aparato visual e atmosférico — e, por alguns minutos, atinge um grau de intensidade que beira o incandescente. As cenas finais funcionam como um clímax ritualístico de sangue e redenção, subvertendo a trajetória de ascensão esportiva para medo, culpa e renascimento. Há nesse trecho um delírio formal que parece referenciar o cinema de horror extremo ou de horror corporal, mas com consciência estética: é o momento em que a violência e o horror fazem sentido narrativo e simbólico em conjunto. Quando isso acontece, o filme alcança sua melhor versão — perturbadora, impactante, inesquecível.

Mas a experiência global permanece desigual. GOAT é um filme de ideias — e de devaneios —, que se arrisca e brinca com a sensação de transgressão: corpo, sangue, suor, glória, culto, medo, trauma. Para quem entra disposto a aceitar essa oscilação, há muito a extrair: metáforas sobre o corpo como mercadoria, crítica à idolatria esportiva, horror psicológico e físico, tensão existencial. Mas para quem espera coerência dramática, construção equilibrada de personagens e sutileza simbólica, o saldo tende a incomodar: as intenções dramáticas às vezes são esmagadas por aspirações visuais; o estilo muitas vezes suplanta a substância.

No fim, GOAT parece um experimento ambicioso e falho — uma obra que se joga num limiar entre o culto, o horror e a tragédia atlética. É um filme que ergue grandes cenários íntimos de dor e sacrifício, mas que não consegue sustentar todos os pilares que ergue. Ainda assim, não é um filme desprezível: em seus melhores instantes, ele vibra com força, rejeita a suavidade e impõe um desconforto necessário sobre a glória, o corpo e a idolatria.

Se fosse para fechar com uma impressão pessoal: GOAT não é um filme redondo — ele é um filme de arranha-céu: ambicioso, vertiginoso, com falhas estruturais visíveis, mas com uma impressionante intenção estética e simbólica. É obra de risco, de choque, de corpo. Não um filme para todos — talvez por isso seja fascinante para quem aceita ser sacudido.