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novembro 27, 2025

Bugonia (2025)

 


Título original: Bugonia
Direção: Yorgos Lanthimos
Sinopse: Dois jovens obcecados por teorias da conspiração sequestram a poderosa CEO de uma grande empresa, convencidos de que ela é uma alienígena com a intenção de destruir o planeta Terra.


Desde os primeiros minutos, Bugonia impõe seu estilo grotesco com força: a premissa de dois conspiracionistas sequestrando uma poderosa CEO — Emma Stone como Michelle Fuller — porque acreditam que ela é uma alienígena prestes a destruir a Terra já indica que não estamos diante de entretenimento leve. A atmosfera construída por Lanthimos flerta com o absurdo, a paranoia e a crítica social — e, em tese, há semente para algo contundente. O problema é que, no esforço de unir sátira, horror psicológico, denúncia de desigualdades e loucura moderna, o filme acaba tropeçando tanto em suas pretensões quanto em seu ritmo e coerência temática.

Lanthimos, com o apoio da fotografia de Robbie Ryan, acerta em parte da ambientação e estética: o contraste visual entre a vida ordenada e estéril da CEO e o submundo degradado dos sequestradores dá ao filme uma tensão imediata, quase claustrofóbica. As cenas no porão — onde Michelle é mantida — usam enquadramentos deliberados: ele filma Teddy (Jesse Plemons) de baixo para cima, conferindo-lhe poder e domínio, enquanto Stone é registrada de cima, vulnerável, lembrando, em sua impassibilidade soturna e olhar atentíssimo, imagens de filmes clássicos de aflição. Essa escolha de linguagem visual, quando funciona, mostra que Lanthimos ainda domina a composição de cena: consegue transmitir alienação, desespero e repulsa apenas pela conjugação entre luz, ângulo e corpos.

A trilha sonora de Jerskin Fendrix — colaborador recorrente de Lanthimos — parece, em alguns momentos, uma personagem à parte: claustrofóbica, estranha, dissonante, reforça o desconforto. Isso agrega à limpidez do horror psicológico e existencial que o filme busca evocar. 

E os atores? Stone e Plemons são, de fato, os pontos altos da película. Ele mergulha de corpo e alma no delírio de Teddy: há momentos em que seu desespero, convicção paranoica e fervor de justiceiro (ou messias da conspiração) dão ao personagem uma carga quase hipnótica — e repulsiva. Stone, por sua vez, equilibra postura fria e contida de executiva com flashes de vulnerabilidade e medo — mesmo muitas vezes reduzida ao espaço físico limitado do porão, ela consegue imprimir empatia e humanidade, fornecendo ao espectador um ponto de identificação talvez consciente. 

Entretanto, nenhum desses acertos sobrevive ao peso de uma construção narrativa que parece, por vezes, mais interessada no estilo do que no conteúdo. Bugonia parece vítima da própria ambição: a ideia de usar horror, sci-fi, sátira social e crítica à cultura de conspirações poderia render um filme denso e relevante — mas o roteiro de Will Tracy (responsável também por séries e thrillers recentes) falha em sustentar a coesão dessas camadas. 

Há momentos de cena forte, de tensão palpável, de horror que incomoda. Mas em outros, o filme se perde: a conversão entre crítica social e espetáculo grotesco soa no fim como uma panfletagem ou como um exercício de choque sem profundidade. O desenrolar da narrativa — especialmente na reta final — levanta questões que nunca chegam a ser respondidas com clareza: a ambiguidade entre quem é o monstro (a CEO? os sequestradores? a sociedade?) termina parecendo menos propositalmente inquietante e mais confusamente indecisa. A provocação moral que poderia surgir se dilui num emaranhado de violência gráfica, simbolismo forçado e decisões narrativas abertamente contraditórias. 

Há também uma sensação de repetição: após os sucessos anteriores da parceria entre Lanthimos e Stone, espera-se um frescor — um atrevimento novo, uma surpresa. Mas Bugonia recai com mais força sobre uma familiaridade estilística, como se Lanthimos recalibrasse sua fórmula para um público que já conhece seu trabalho. Em vez de expandir seus horizontes criativos, o filme parece se contentar em revisitar velhas táticas de choque, surpresas visuais e humor negro. 

Por fim, o impacto emocional — que poderia ser o pulso vital de Bugonia — se desfaz. O horror, a angústia e o desconforto existencial que o filme promete não se consolidam em algo memorável, duradouro. Restam cenas fortes, visuais interessantes, atuações competentes — mas o todo se mostra moralmente confuso, narrativamente torto e dramaticamente fraco.

Para quem aprecia o trabalho de Lanthimos, Bugonia oferece lampejos do autor que a gente conhece: a estética perturbadora, a frieza satírica, a desconstrução dos discursos de poder. Mas aqui o autor parece caminhar com pés de chumbo, dividido entre querer chocar, querer comentar, querer espetacularizar. O resultado é uma obra desequilibrada — não por medo de ousar, mas por medo de se comprometer com aquilo que ousa.

No fim, Bugonia não consegue se tornar nada além de um exercício de estilo que, por mais que atinja alguns acertos isolados, falha em construir a tensão moral e existencial que sua premissa carregava. Fica a sensação de desperdício de potencial. Um filme de impressões fortes — mas de essência frágil.