No escuro sedutor que Luc Besson sempre soube construir, Drácula: Uma História de Amor emerge como uma obra que abraça o gótico com um romantismo quase febril. O diretor, acostumado a erguer mundos envolventes — como fizera em sua poderosa Joana d’Arc — retorna aqui à grandiosidade de cenários densos, figurinos luxuosos e atmosferas carregadas de simbolismo. A produção é impecável: dos corredores em penumbra aos salões iluminados por chamas inquietas, tudo respira uma nostalgia trágica que combina com a figura de Vlad Ţepeș, antes de sua metamorfose no vampiro imortal.
O filme se destaca justamente por esse cuidado em unir o mito literário ao homem histórico. Besson não ignora o príncipe romeno, conhecido como Vlad, o Empalador; ao contrário, o coloca no centro, construindo Drácula como resultado de dor, perda e desespero — não apenas um monstro, mas um homem dilacerado. Ao observar a queda espiritual de Vlad após a morte de sua esposa, vemos mais do que uma lenda: vemos o nascimento do condenado. A forma como o roteiro costura essa transição é uma das grandes belezas do longa. Não é apenas uma adaptação de Stoker, mas uma ponte entre a tradição romena e o imaginário vampírico que o Ocidente eternizou.
A narrativa se distribui entre dois tempos: o passado medieval, filmado com dramaticidade quase operística, e o presente “moderno” da Belle Époque, onde Vlad encontra Mina — ou melhor, uma jovem que lembra Elisabeta com intensidade perturbadora. O filme é movido por esse reencontro impossível. A paixão que atravessa séculos é tratada com delicadeza e silêncio, sem pressa em explicar tudo, deixando que a melancolia preencha o espaço entre os personagens. É aí que o filme mais se distingue: menos terror, mais tragédia; menos grito, mais sussurro.
Caleb Landry Jones entrega um Drácula de olhar cansado, movido por uma saudade brutal. É uma atuação que privilegia os pequenos gestos, o peso do tempo, o desespero contido. Ao lado dele, Zoë Bleu traz um magnetismo suave, quase espectral, como uma figura que não sabe ao certo por que é puxada para algo tão antigo. Christoph Waltz surge como um padre que conhece mais do que diz (apesar de nunca ser mencionado no filme, ele interpreta aqui Van Helsing), reforçando o conflito moral que acompanha o vampiro há séculos. O trio cria uma dinâmica sólida o suficiente para sustentar a proposta emocional do filme.
A fotografia aposta em contrastes: interiores densos, cores profundas, luz filtrada por tapeçarias e vitrais, como se cada quadro fosse pensado para durar na memória. A trilha de Danny Elfman serve como um sopro trágico — ora delicada, ora grandiosa — e acompanha bem a sensação de que estamos diante de um amor condenado a se repetir eternamente. A edição, mais contemplativa, dá espaço para que a atmosfera respire, e embora isso possa parecer lento para alguns, é parte orgânica da proposta de Besson.
É impossível, entretanto, não mencionar a coincidência de sua estreia surgir poucos meses após Nosferatu, de Robert Eggers. A comparação entre os dois filmes enriquece a experiência. Eggers mergulha no horror primitivo, quase ritual, evocando o expressionismo e a monstruosidade. Já Besson faz o caminho inverso: olha para Drácula como símbolo de perda, como figura trágica e apaixonada. Ver as duas obras lado a lado é como ver a mesma lenda refletida em espelhos diferentes — um deformado, outro idealizado. A mesma história, mas sensibilidades opostas: onde Eggers fere, Besson acaricia.
No entanto, o romance que move tudo o que acontece aqui é também o que limita a obra. Há momentos em que a previsibilidade se impõe — afinal, histórias de reencarnação já foram exploradas em outras versões — e a ausência de terror mais incisivo pode frustrar quem espera algo mais agressivo ou sombrio. O filme não deseja provocar medo visceral; quer emocionar, e nisso ele se mantém coerente. Porém, ao apostar tanto na contemplação, corre o risco de perder parte da intensidade que o mito tradicional carrega.
Ainda assim, a força visual e o cuidado na construção do personagem tornam o filme marcante. É fácil acreditar que Besson ainda sabe criar mundos que respiram por conta própria. Seus cenários, figurinos e texturas elevam a produção a um patamar que poucas adaptações recentes de Drácula alcançaram. Há ali uma devoção pela lenda, um respeito pelas origens romenas e uma tentativa honesta de mostrar não só quem Drácula é, mas quem ele foi — e tudo o que perdeu no caminho.
Se Nosferatu é um mergulho no pavor, Drácula: Uma História de Amor é um lamento estendido pelo tempo. E, dentro dessa chave melancólica, o filme encontra seu brilho: é menos monstruoso, mais humano; menos violento, mais doloroso. Um vampiro que sangra antes de morder.
No final, o que fica é essa sensação de que Besson quis, acima de tudo, devolver ao mito a sua humanidade ferida. E, dentro do seu universo elegante e trágico, consegue. É um Drácula que olha para trás, chorando o que não pode recuperar — e talvez seja justamente essa dor que o torna, aqui, tão fascinante.
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