Desde o primeiro ato, o filme se apresenta como uma proposta ambiciosa: mergulhar na vida do lutador de MMA Mark Kerr, explorando suas glórias no octógono, suas crises internas — incluindo dependência e colapsos emocionais — e seu conturbado relacionamento com a parceira Dawn, interpretada por Emily Blunt. A concepção técnica aposta em um registro que remete à crueza documental: a fotografia, assinada por Maceo Bishop, utiliza película — 16 mm em grande parte do filme, com inserções em 70 mm e até câmeras VHS — para reconstruir visualmente o período de fim dos anos 1990, época a que o enredo se dedica. Essa opção estética é, sem dúvida, um dos trunfos do filme, imprimindo uma textura granulada que sugere intimidade com o tempo retratado, com o suor, a decadência, a crueza dos treinos, das lutas, das recaídas.
No entanto, mesmo com esse zelo estético, o longa infelizmente sucumbe a um ritmo excessivamente morno — mais para frio — onde o que poderia ser um mergulho visceral em vez se converte em tedioso arrastar de cenas. A estrutura narrativa falha em gerar embates que agradem o espectador como clímax cinematográfico: os turnos dramáticos não atingem o pulso emocional esperado; o filme evita — propositalmente ou não — o crescendo tradicional, entregando uma sucessão de acontecimentos pesados mas pouco catárticos. Essa sensação de “empate dramático” se estende sobretudo para quem não nutre um interesse prévio pelo universo do MMA: sem paixão pelo esporte, a crônica de Mark Kerr corre o risco de parecer um documentário estendido sem elo eficaz para o espectador comum.
A trilha sonora “de coletânea de canções” funciona como um artifício interessante: há escolhas musicais que resgatam com nitidez o clima final dos anos 1990, evocando uma nostalgia eficaz, que por instantes promete dar alma à narrativa. Entre flashes de glória e desespero, a seleção musical de época embala com precisão. Contudo, o contraponto — a trilha sonora original composta para o filme, Nala Sinephro — falha de forma contundente: seus momentos soam dissonantes, desconectados e, em muitos instantes, doloridos aos ouvidos. Em vez de sustentar o clima, essa partitura experimental — que talvez pretendesse causar estranhamento — acaba por tornar algumas sequências mais desagradáveis do que provocativas, minando a empatia que o espectador poderia desenvolver.
No tocante às atuações, o filme se destaca com louvor. Dwayne Johnson encarna Mark Kerr com entrega madura e risco calculado: longe de sua persona habitual de blockbuster, ele desmonta músculos e vaidades para desenhar um personagem introspectivo, vulnerável e quase errático. Sua transformação — física e emocional — é um ponto alto, sustentando o projeto mesmo nos momentos mais capengas da narrativa. Paralelamente, Emily Blunt entrega uma performance intensa como Dawn, embora o papel escrito para ela se revele profundamente irritante: sua personagem alterna entre vulnerabilidade e explosões histéricas de maneira abrupta, muitas vezes parecendo um elemento de desequilíbrio narrativo. A atuação de Blunt é tão competente quanto conturbada: nos faz querer torcer por Kerr, mas também desejar que ele se desvencilhe desse relacionamento complicado de uma vez por todas.
A dinâmica entre os dois personagens — atormentada, desequilibrada, quase simbiótica — é tratada com sinceridade, mas o roteiro hesita entre explorar essa crise de forma mais ousada ou sustentá-la com clichês de tragédia de esportista. Há momentos de tensão e autoanálise que soam críveis e dolorosos, mas faltam articulações dramáticas que conectem essas cenas a um clímax existencial que justifique o material de base. Em suma, temos personagens bem delineados e interpretados, mas um arcabouço narrativo que não acompanha o risco que esses personagens carregam.
Tecnicamente, a escolha pela película, granulação e edição (também de Safdie) confere ao filme uma aura de crueldade estética, onde suor, sangue, pulsão e colapso psicológico se manifestam com força visual. Porém, essa estética, embora admirável, não salva os momentos em que o ritmo flerta com o desinteresse: parece haver um receio do grande gesto cinematográfico, uma contenção excessiva que, em vez de provocar choque, gera apatia. O filme se move como uma história inevitável, não como um épico de reconstrução; a inevitabilidade da queda não se traduz em tragédia plenamente absorvível.
A sensação que fica, ao final dessas quase duas horas de duração, é de um esforço que se exalta pela ambição e pelo desempenho de elenco, mas que tropeça no meio do caminho por falta de estrutura dramática revolucionária. Quem se aproxima da obra com reverência ao MMA ou à biografia de Mark Kerr pode extrair valor: há precisão histórica em transpor a emergência do UFC, o entorno imprevisível das lutas no Japão, e a ascensão e queda de um homem que se deflagra como máquina. Mas para o público alheio a esse contexto, o filme talvez pareça uma tentativa de “episódio cru” sem punch, sem gancho memorável, uma história que se arrasta sem gerar empatia universal.
Em última análise, The Smashing Machine se posiciona como um filme de meio-termo: tecnicamente ambicioso, com momentos de luz — principalmente as atuações —, mas cuja narrativa, na maioria das passagens, falha em construir tensão ou marcar profundamente. Se a ambição estética e performática é inegável, o resultado se revela mediano, como se levasse o espectador ao ringue prometendo um nocaute de significado, mas terminasse com uma sequência de socos levados que não ecoam no pós-lutador. Um projeto que poderia ser revolucionário, mas se mantém na tênue linha do “bom, mas poderia ser muito mais”.
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