O mérito imediato de A Astronauta está na construção sonora e na oscilação entre silêncio e ruído: silenciosas frequências industriais, ruídos de equipamentos hospitalares e uma mistura de visuais orgânicos que lembram a bioluminescência marinha — inspirou a concepção das criaturas do filme. Essa paisagem sonora é trabalhada como personagem, empurrando a tensão mesmo quando a câmera está imóvel. A direção de som e a partitura — compostas para sublinhar um desconforto visceral em vez de melodias redentoras — funcionam como o motor emocional da narrativa, fazendo o espectador acompanhar o avanço da aflição física da protagonista.
Visualmente, o filme aposta em uma dicotomia elegante: fotografia de interiores polidos, geometria arquitetônica e luz dura contrastam com detalhes orgânicos e texturas que reaparecem conforme a transformação progride. O diretor de fotografia usa a casa moderna como microcosmo, com planos longos que enfatizam a presença humana diminuta diante de volumes arquitetônicos e enquadramentos que isolam o corpo. Essa escolha formal serve ao propósito temático — a alienação da protagonista em relação ao seu próprio corpo e à família —, mas ao mesmo tempo gera certa frieza estética que, por vezes, diminui a empatia plena necessária para o desfecho emocional. A fotografia e a direção de arte são precisas e muitas vezes belas; o problema é quando a beleza técnica entra em conflito com a necessidade de intensidade dramática.
Do ponto de vista da construção dramática, Varley sabe dosar o mistério inicial: temos um acidente, uma quarentena, exames em trajes de proteção e a sensação de vigilância constante que transforma a casa em um aquário. Kate Mara lidera com uma contenção que evita melodrama fácil; seus gestos mínimos comunicam dor, confusão e um crescente distanciamento do mundo humano — uma interpretação que equilibra frieza clínica e impulso maternal em momentos precisos. Laurence Fishburne empresta humanidade ao núcleo de autoridade militar, funcionando tanto como catalisador das tensões políticas (o aparato estatal que instrumentaliza o corpo) quanto como figura emocional que tenta proteger, mas acaba por instrumentalizar. Há trabalho de elenco consistente, com cenas familiares funcionando como âncoras afetivas antes que a narrativa as volatilize.
A edição, porém, é um terreno ambivalente: a montagem cria fases muito bem demarcadas — quarentena, isolamento, transgressão corporal — mas esbarra em problemas de ritmo. O filme começa com uma cadência medida e ganha densidade; na metade, contudo, o foco se estreita tanto no micro-horror que o tempo dramático parece estagnar, dependendo de jump-scares e imagens de efeito mais do que de uma progressão psicológica sólida. Já o final acelera na explicação dos acontecimentos, comprimindo reviravoltas que pediriam mais espaço para respirar. Essa escolha deixa uma sensação de descompasso: a construção longa e atmosférica que precede o clímax promete uma resolução igualmente trabalhada, mas acaba optando pela síntese — o que pode frustrar espectadores que esperavam uma revelação mais trabalhada emocionalmente.
Quanto ao imaginário das criaturas e das transformações corporais, Varley acerta ao evitar o excesso de bobagens tecnológicas: a origem e a natureza do fenômeno mantêm-se parcialmente ambíguas, o que ajuda a preservar o horror metafórico — uma metáfora sobre alienação, perda de identidade e a política do corpo no contexto militar e científico. Ainda assim, a tentativa de dar explicação na reta final passa do enigmático ao expositivo, reduzindo um pouco o mistério. É um filme que ganha quando se entrega ao incômodo sensorial e à imagem forte — as cenas de insetos, a pele que se modifica, os sinais de um corpo que "não pertence" mais — e perde quando tenta amarrar tudo com uma lógica narrativa completa.
No balanço final, A Astronauta é uma estreia que impressiona mais pelo vocabulário visual e sonoro do que pela coerência dramática perfeita. É cinema de sensações: há vigor na aposta estética, segurança no trabalho de direção de atores e momentos de horror corporal que ficam na retina. Ainda assim, a obra tropeça em escolhas de ritmo e numa conclusão que, por ser demasiadamente apressada, não entrega totalmente o potencial emocional do material. Para quem gosta de ficção científica que funciona como fábula corporal e de filmes de horror intimistas que privilegiam atmosfera sobre explicação, é uma experiência recompensadora; para espectadores que buscam resolução narrativa e profundidade emocional equilibradas do início ao fim, ela pode parecer incompleta.
Em outras palavras: A Astronauta nos leva a um lugar bonito e inquietante — e isso por si só já é mérito —, mas pede, em retorno, uma paciência que nem sempre é recompensada por uma catarse plenamente satisfatória. É um filme que respira e palpita; sua potência está nas imagens e no som, e seu limite está na pressa de explicá-las.
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