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novembro 25, 2025

Bom Menino (2025)

 


Título original: Good Boy
Direção: Ben Leonberg
Sinopse: Um cão fiel se muda com Todd, seu tutor, para uma casa de campo. Lá, ele descobre forças sobrenaturais escondidas nas sombras. Quando as entidades sombrias ameaçam seu dono, o corajoso cão deve lutar para protegê-lo.


Bom Menino (Good Boy, 2025), dirigido por Ben Leonberg, chega com uma premissa que facilmente acende a curiosidade de qualquer cinéfilo: contar uma história de terror inteira do ponto de vista de um cachorro, um exercício de perspectiva que promete renovar truques já batidos do gênero. O filme, com produção enxuta e um manejo técnico que chama a atenção pela engenhosidade, tem 73 minutos de duração e foi pensado para funcionar como uma experiência sensorial — demasiado dependente do olhar e do ouvido do animal protagonista. 

É justamente aí que a fricção entre ideia e execução se expõe com força. A ideia de filmar do chão, de 19 polegadas, mapeando cheiros, ruídos e olhares, é sedutora; Leonberg e sua equipe realmente se empenharam em fabricar um cinema que replica a atenção canina — rigs improvisados, trilhas para guiar o olhar do animal, e um esforço de direção de som que privilegia ruídos abafados e estalidos fora de quadro. Em muitos momentos técnicos — fotografia em nível baixo, escolhas de composição e algumas soluções de movimentação de câmera — o filme tem um senso inventivo que merece registro. É possível ver ali um cineasta com senso de ofício e uma equipe capaz de extrair riqueza de um orçamento restrito. 

Mas se a construção técnica frequentemente funciona, o filme como narrativa e como experiência de assistir falha de modo insistente. A originalidade do ponto de vista degringola para uma execução que se limita, praticamente, a três recursos repetidos à exaustão: 1) um homem tossindo — que se transforma numa presença auditiva irritante e constante; 2) o cachorro, Indy, olhando para um canto escuro, como se o mundo inteiro fosse reduzido a um único ponto de fixação; 3) um iPhone tocando incessantemente, sempre no mesmo tom, como um metrônomo de tensão que nunca evolui. Esses três elementos, repetidos sem variação dramática ou aprofundamento nenhum, ocupam a maior parte dos 73 minutos e transformam o que poderia ser uma fábula tensa em um exercício monótono de espera. A sensação, para quem assiste, é que as longas passagens de silêncio e de expectativa foram escaladas até uma medida cruel: 73 minutos que parecem, em muitos momentos, mais de quatro horas. É uma hipérbole retórica? Pode ser — mas é também a descrição honesta de como o ritmo e a repetição pesam sobre o espectador. (Dado que o filme realmente tem 73 minutos, essa percepção de dilatação é parte do problema estrutural do longa.) 

O roteiro, por sua vez, é frustrantemente previsível. Num gênero que sobrevive — e encanta — por manipular o conhecido e subverter expectativas, Bom Menino escolhe o caminho oposto: sinais comuns, respostas óbvias, e uma lógica interna que nunca se arrisca. As pistas oferecidas ao espectador são grosseiras, as reviravoltas, quando ocorrem, são anunciadas com antecedência por clichês sonoros e visuais, e a escalada do perigo é mais uma repetição de atmosferas do que uma construção dramática verdadeira. Há momentos em que parece que o filme confia demais no truque da perspectiva (a câmera baixa, o foco no olhar do cão) como se isso, por si só, garantisse surpresa ou profundidade — e não garante. Resultado: a previsibilidade corrói a tensão, e o que poderia ser um estudo sensorial sobre luto, perda e proteção transforma-se num catálogo de repetições.

É preciso, no entanto, separar com cuidado os méritos de interpretação do restante. Indy, o cão que encarna o protagonista, é um achado absoluto — e aqui a crítica precisa ser clara e justa: a performance canina é extraordinária. Indy tem um olhar, uma presença e uma capacidade de presença em cena que ultrapassam a maior parte do elenco humano; há momentos em que, com uma inclinação de cabeça ou um modo particular de fixar o olhar, ele transmite mais que diálogos inteiros. Não é exagero dizer que Indy rouba o filme — e, de fato, a recepção pública e crítica já apontou esse deslumbre, com campanhas humoradas e elogios à naturalidade do cão-ator. Se existe um motivo sincero para ver Bom Menino, ele se chama Indy. Para o cinema que celebra performances (mesmo as não humanas), a técnica de Leonberg ao trabalhar com o animal — filmando por três anos em condições que procuravam minimizar o estresse e maximizar momentos autênticos — merece aplausos. Há uma tênue poesia no modo como Indy interpreta medo, confusão e lealdade sem artifícios humanos óbvios. 

Infelizmente, nem mesmo a presença de Indy consegue sustentar o filme quando o resto da máquina narrativa não acompanha. A direção de som, que poderia ter sido o grande trunfo num filme centrado em percepção e ruído, acaba sendo conivente com a monotonia: o efeito repetitivo do tossir, do toque do celular e do silêncio sufocante cria uma paleta sonora que cansa mais do que perturba. A montagem, demasiadas vezes, opta por alongar sequências de espera em vez de trabalhar contra a previsibilidade; faltam cortes que reinventem o que já vimos, faltam elipses que deem ritmo e surpresa. Quando a única fonte de tensão é a insistência em repetir os mesmos três sinais, perde-se a possibilidade do terror sutil — e o filme se fecha em si mesmo. 

Técnica e visual, insisto, não são descartáveis: há sequências de real delicadeza fotográfica, e a aproximação do espaço doméstico por baixo confere um frescor visual — o problema é que essas soluções viram pó quando não há uma dramaturgia correspondendo à ambição estética. O elenco humano, por sua vez, aparece reduzido a reações funcionais: tosses, suspiros, olhares ansiosos. Os personagens não se desenvolvem; são âncoras na narrativa para que Indy faça seu trajeto canino em direção a uma conclusão que, apesar do aparente alcance simbólico sobre morte e devoção, soa simplista. A sensação é a de um diretor que se encantou pela surpresa formal e esqueceu de construir uma máquina narrativa que justificasse cada escolha. 

Ainda assim, a crítica precisa reconhecer o que dá certo: a sensibilidade com que a equipe tratou do animal, a paciência e o respeito com que Indy foi dirigido, o cuidado com a imagem e os arranjos técnicos. E também é legítimo reconhecer o impacto que um filme assim pode ter: a ideia de empurrar o espectador para a margem do campo visual — para ver menos do humano e mais do animal — é um gesto estético que merece ser tentado. O problema de Bom Menino é que a tentativa não foi acompanhada de ambição narrativa suficiente. O filme se contenta com um exercício formal e peca pela inércia dramática. 

Para quem vai ao cinema em busca de inquietação genuína, Bom Menino deixa um gosto agridoce: há instantes de verdadeiro cinema — e Indy é, sem dúvida, notável —, mas o conjunto raramente se transforma em algo maior que suas partes repetidas. Se a premissa era promissora e, em alguns recortes, brilhante, a execução fracassa em sustentar o interesse. O que poderia ter sido um curto e afiado conto de assombração canina acaba sendo uma lição sobre como a novidade formal, sem um roteiro que a respalde, pode se tornar autoparódica. Ainda assim, se pudesse existir um prêmio só para expressividade animal em tela, Indy mereceria, sim, ser lembrado entre os melhores — um pequeno prodígio canino que salva, com olhares e instintos, a maior parte do que o filme não consegue segurar. 

Em suma: Bom Menino é um filme que vale o ingresso se você quer testemunhar a ascensão de uma estrela canina e apreciar soluções técnicas interessantes; é insuficiente, porém, se sua expectativa é um terror que se reinvente ou uma narrativa que justifique suas repetições. A premissa é ótima — terrivelmente mal executada; o cenário sonoro e visual tem lampejos de habilidade — mas a repetição e a previsibilidade tornam a experiência cansativa. Indy, felizmente, é uma razão para aplaudir: um ator de quatro patas que, sozinho, quase salva o espetáculo.