Dizer que Aos Pedaços fracassa é pouco: aqui temos um filme que parece ter sido erguido a partir de vaidade formal e justificativas autorais, e não a partir de uma necessidade dramática. A tal “narrativa fragmentada” virou pretexto para um exercício masturbatório sobre si mesma — um objeto que finge profundidade por multiplicar imagens e monólogos, quando na verdade está vazio por dentro. A montagem fragmentária, tão proclamada em sinopses e notas de produção, deixa de construir para apenas fragmentar por fricção; a sensação que fica é a de assistir a uma demonstração técnica sem propósito, um catálogo de soluções estéticas que recusam servir a qualquer tensão dramática legítima.
O pior problema é o tom: Aos Pedaços se monta como se a justificativa fosse “estamos na mente de alguém”, e essa desculpa narrativa aparece como um escudo para artifícios muito óbvios. Quando a direção recorre ao recurso da “mente” para explicar incoerências, saltos lógicos e exageros de encenação, o que temos é preguiça intelectual disfarçada de ousadia. Filmes que trabalham com subjetividade precisam ter uma precisão clínica na construção daquilo que é mental e daquilo que é real; aqui, a imprecisão é celebrada como se fosse profundidade. O resultado é cansativo: cada vez que o roteiro quer nos convencer de que estamos diante de um delírio interior, notamos apenas a mão que empilha artifícios para esconder a falta de dramaturgia.
A artificialidade da encenação transforma cenas que poderiam ganhar densidade em pequenos espetáculos de má atuação e declamação. Em vez de cinema — que exige construção de espaço, respiração de interpretação e coragem de silêncios —, testemunhamos uma peça de teatro exagerada filmada, com atores que muitas vezes parecem declamar texto em riste, como se o plano fosse sempre um palco frontal. A câmera, que poderia enquadrar a ruína íntima do personagem, prefere enquadramentos que anunciam: “vejam a composição”. Composições que, isoladamente, poderiam ser admiradas, tornam-se aqui uma armadilha estética: o filme vive do enquadro e morre na sequência.
O roteiro é igualmente problemático: abusa de monólogos que estejam ali para explicar o que deveria ser mostrado. Quando um filme opta por monólogos expositivos — especialmente neste tom teórico e pretensioso —, ele assume o risco de transformar espectadores em leitores de placa. Aos Pedaços cai nesse erro repetidas vezes; fala demais sobre paranoia e quase nada através de ação ou decisão dramática convincente. Em muitos trechos, a sensação é de que o longa não teve coragem de confiar no cinema como linguagem, preferindo explicar e racionalizar em vez de permitir que a imagem e o ator façam o trabalho. Isso gera um cansaço acumulado: o espectador é levado a peregrinar por longas passagens de discurso sem ar, audição passiva que não engaja intelectualmente nem emocionalmente.
Tecnicamente, há acertos que só servem para reforçar a injustiça: se a fotografia às vezes oferece quadros de grande contraste e a direção de arte tenta imprimir uma unidade simbólica entre as duas casas, mas tudo isso fica refém do tom autorreferente. Ou seja, a técnica existe, mas não para contar; existe para enfeitar. Quando a forma deixa de ser instrumento para virar vitrine, perde autoridade moral: assistir a Aos Pedaços é ver esforço técnico transformado em verniz sobre uma narrativa que não sustenta o próprio peso. A trilha, os planos fixos, o gosto por sombras e sombras sobre sombras — tudo isso vira máscara, e a máscara aqui é desconfortavelmente impermeável à verdade dramática.
O ritmo é outra falha monumental: o filme se arrasta, enuncia e repete. Em vez de usar o tempo para criar escalada de tensão, Guerra e os roteiristas parecem contentes em prolongar a sensação de redundância até que qualquer expectativa do público se apague por completo. Não se trata apenas de “filme lento” — existe diferença entre paciência narrativa e imobilidade preguiçosa; Aos Pedaços está no segundo lado desse abismo. Cada minuto extra parece uma tentativa de legitimar a obra pelo seu próprio comprimento, como se a duração fosse prova de profundidade. Não é: é tédio revestido de pretensão.
Quanto às interpretações, prefiro não sequer amenizar: a direção de atores oscila entre a declamação e o vazio. Há momentos em que a atuação soa tão maquinal que rouba da cena qualquer possibilidade de empatia. Julgando estritamente pelo efeito em tela, a expressão corporal e vocal dos protagonistas muitas vezes parece coordenada para transmitir "significado", mas sem a alma necessária para que esse significado exista como experiência. Isso é particularmente irritante num filme que se vende como íntimo e febril: se tudo é interior, por que nada interioriza de verdade? O descompasso entre intenção e execução aqui é simplesmente assombroso.
Por fim, resta a questão do propósito: para quem foi feito Aos Pedaços? Para festivais, para um público que celebra o jogo formal pela sua própria existência, ou para espectadores que buscam envolvimento? Se a intenção era provocar, o filme acaba provocando apenas a sensação de perda de tempo. Se a intenção era incomodar, nos incomoda pela frustração e pelo sentimento de que o cinema foi usado como câmara de eco para egos. E no balanço final, a obra não sustenta nem a estética que promove, nem o discurso que investe — resta apenas uma sucessão de artifícios cansativos que tornam a experiência estafante, irritante e, acima de tudo, inútil.
Em suma: Aos Pedaços não é apenas um filme ruim; é uma operação estética que transforma a audácia em tédio, a subjetividade em desculpa e o cinema em teatro filmado sem compromisso com a verdade emotiva. Sai-se da sala com a sensação de ter testemunhado um esforço longo e vão, um espetáculo onde o vazio se traveste de profundidade. Não há aqui redenção formal nem moral: só resta o desconforto de assistir a um filme que podia, e deveria, ter ficado apenas no rascunho.
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