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novembro 29, 2025

A Mulher na Cabine 10 (2025)

 


Título original: The Woman in Cabin 10
Direção: Simon Stone
Sinopse: A bordo de um iate de luxo a trabalho, uma jornalista vê uma pessoa caindo no mar, mas ninguém acredita. Para descobrir a verdade, ela coloca a própria vida em risco.


Quando peguei o título da nova aposta da Netflix — A Mulher na Cabine 10 — pensei: será que a plataforma finalmente conseguiu combinar boa produção com um thriller eficiente? A resposta, triste e inescapável, é: não. Por mais que o filme tenha elementos técnicos de razoável qualidade — direção competente, fotografia limpa, produção de luxo — seu alicerce narrativo é torto, batido e cansativo.

A premissa, para começar, é o tipo de esquema que há décadas roda por aí: alguém — neste caso a jornalista Laura “Lo” Blacklock — afirma ter visto um crime, acredita ter testemunhado uma mulher sendo jogada ao mar dentro de um iate de luxo. Mas quando ela levanta o alarme, todos confirmam que a cabine “culpada” estava vazia, que nenhum passageiro sumiu, que ela “deve ter imaginado”. A partir daí: ela sozinha contra todo mundo. Pois é. Como pode uma premissa tão batida ainda ser colocada para produção no cinema? É inacreditavelmente comum, ruim. Ruim mesmo. E, pior que isso: destrói até mesmo a boa intenção e produção que cercam o filme. A Netflix cada vez parece se afundar mais e mais em filmes duvidosos — títulos com brilho visual, elenco conhecido, mas sem substância nem frescor.

Tecnicamente, dá para reconhecer alguns pontos: a ambientação do iate — um superiate filmado nas costas inglesas — tenta reproduzir com classe o luxo e o isolamento claustrofóbico necessários ao terror psicológico de alto-mar. A fotografia assina um mar acinzentado, vidro, corrimão cromado, quartos com interiores elegantes: tudo funciona para transmitir uma atmosfera de elegância obscura, de falso conforto prestes a ruir. A montagem eficiente tenta dar ritmo, e a trilha sonora — minimalista nos momentos de tensão — ajuda a construir momentos de angústia. O diretor Simon Stone, com a ajuda de seu time técnico (cinegrafista, editores, cenografia), imprime certo profissionalismo à obra: dá prazer técnico observar a ambientação, o uso das câmeras dentro de quartos apertados, os corredores do iate, o contraste entre festa de luxo e desespero psicológico.

Mas aí — e é aí que o filme se afunda — tudo o que poderia ter validade se esfarela. O enredo não convence. Os personagens não têm densidade. E o principal: a “verdade” que a protagonista sustenta não gera empatia, mas irritação.

No centro disso tudo, a escolha de Keira Knightley para viver Lo Blacklock. Honestamente? A atriz está terrivelmente mal. Há anos que o talento de Knightley me parece inflado, artificial — e aqui alcança níveis surpreendentemente maus. Sua interpretação é risível. Ao invés de transmitir vulnerabilidade, trauma, dúvida e paranoia convincentes, ela adota uma postura histriônica, excessiva, que transforma o que poderia ser suspense psicológico em teatro barato. Sua Laura é mais “histérica insistente” do que “sobrevivente traumatizada”. Inacreditável que alguém a leve a sério como protagonista de um thriller que depende da adesão emocional do espectador a um drama de dúvida.

O filme ainda insiste em colocar Lo numa posição de “jornalista heroica, destemida, dona da verdade”. E talvez aí resida um dos poucos méritos — se podemos chamar de mérito — da película: ela acaba servindo como uma caricatura da arrogância jornalística. Jornalistas que se acham donos da verdade, capazes de jogar a vida de todos ao redor no inferno por causa da pressão de ter “a matéria”, de provar algo a qualquer preço. O longa exagera, claro — e de forma grosseira —, mas faz essa crítica involuntária ao transformar Lo em uma presença irritante, incansável, invasiva, dramática demais. Em diversos momentos da narrativa ficamos torcendo não por sua vitória, mas por sua falência: torcendo para que a maré a leve embora, para que seu “combate pela verdade” a engula de uma vez por todas. A personagem Laura é terrivelmente irritante, e o espectador — pelo menos eu — sente mais alívio do que tensão a cada suspiro da protagonista.

Enquanto isso, o suposto mistério central — a “mulher na cabine 10” — perde qualquer força. As reviravoltas são pouco inteligentes, os “suspeitos” surgem e desaparecem sem peso dramático real, as pistas são adiantadas demais ou deixadas de lado sem consequência. A sensação é de déjà-vu: já vimos isso em dezenas de thrillers baratos, tanto livros quanto filmes, pior ainda quando o roteiro não tenta nem renovar o clichê.

O final, que poderia salvar tudo — com confrontos, revelações, exposição de conspiração — vira uma espécie de “clímax modesto”, previsível, com antagonistas maniqueístas e resolução rasa. Não há subtexto, não há ambiguidade: tudo é branco ou preto, culpa óbvia ou sanidade supostamente inabalável da protagonista. Quando o “grande segredo” se revela, ele não choca, não incomoda, não perturba — apenas conclui. E nos deixa com a impressão de que todo o resto foi tempo perdido.

Em resumo: A Mulher na Cabine 10 convence visualmente — superfície brilhante, cenários de luxo, atmosfera de iate em alto-mar —, mas se afoga por dentro. A construção dramática é frágil, o roteiro previsível, a protagonista irritante, e o suspense fraco. A aposta da Netflix num thriller moderno que revisita o clássico “só eu vi, ninguém acredita em mim” se mostra não apenas preguiçosa, mas até irresponsável do ponto de vista criativo.

Se há algo de valor, é talvez o alerta — consciente ou não — para como a noção de “verdade” e “credibilidade” pode ser usada (e abusada) em narrativas de poder, privilégio e paranoia. Mas esse resquício simbólico é soterrado por tantos defeitos que quase não resta nada depois de terminada a projeção.

Talvez o pior legado disso tudo seja a constatação: não basta ter iate, produção cara, elenco conhecido e “conceito de suspense” para fazer um bom thriller. É preciso sustância — e A Mulher na Cabine 10 brutalmente não tem. No fim, ele despeja toda sua maré de promessas ao mar.

E fica a pergunta: a que ponto a Netflix vai afundar antes de aprender que o brilho da superfície não salva um enredo podre?