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novembro 24, 2025

A Incrível Eleanor (2025)

 


Título original: Eleanor the Great
Direção: Scarlett Johansson
Sinopse: Eleanor Morgenstein, uma mulher de 94 anos, está tentando reconstruir sua vida após a perda de sua melhor amiga. Depois de décadas na Flórida, ela regressa a Nova York para um novo começo.


Logo no primeiro ato, A Incrível Eleanor brilha com uma leveza e sensibilidade tão genuínas que eu realmente acreditei estar diante de algo muito especial — quase perfeito para um filme de estreia na direção. Scarlett Johansson acerta no tom: há calor, humor espirituoso e uma empatia sincera. A personagem de June Squibb, Eleanor Morgenstein, surge como uma senhora de 94 anos cheia de espírito, com aquele temperamento delicado e contundente ao mesmo tempo, envolta na dor da perda de sua grande amiga Bessie (Rita Zohar). Nessas cenas iniciais, o filme se equilibra habilmente entre a comédia e o drama, tecendo pequenas joias de diálogo, momentos tocantes à mesa de jantar, reflexões sobre envelhecimento e solidão, além de piadas sutis sobre a vida e a morte.

Esse começo é tão comovente, tão divertido, tão bem construído, que por um instante cheguei a pensar: “é isso, Scarlett. Você fez isso bem.” Há autenticidade no relacionamento de Eleanor com sua filha Lisa (Jessica Hecht), com seu neto Max e com a jovem jornalista Nina (Erin Kellyman), e a forma como Johansson filma esses encontros — com cuidado nos closes, pausas nos olhares, silêncios que dizem tanto — transmite exatamente o que deveria: uma sensação de companheirismo frágil e de segundas chances emocionais. O enredo da mentira — Eleanor fingindo ser sobrevivente do Holocausto, narrando a história de Bessie como se fosse a sua — tem todo o potencial para ser uma dramédia encantadora e profunda.

Mas, infelizmente, a partir de um ponto marcado pelo que parecia um crescendo promissor, o filme começa a escorregar. A promessa de uma comédia dramática equilibrada se perde e, pouco a pouco, se transforma em um drama que me soou raso e, por vezes, bobamente moralista. Aquela leveza inicial se desfaz: a mentira de Eleanor deixa de ser uma gambiarra simpática e vira conflito ético mal desenvolvido, sem a profundidade que a dramatização de um tema tão delicado exige. Em vez de explorar a ambiguidade moral com coragem, o roteiro opta por caminhos fáceis, justificando os enganos de Eleanor pela solidão e o luto, mas sem dar fôlego para um questionamento mais incisivo — algo que, no começo, eu esperava que surgisse com força.

Tecnicamente, o filme também sofre de alguns problemas que comprometem a experiência. A edição, por exemplo, tem momentos desconfortáveis: transições arrastadas, cortes estranhos e até fades desajeitados entre cenas eliminam a fluidez que o tom dramédia requer. Há instantes em que parece que se tentou suavizar demais as bordas, mas o resultado acaba soando amador — a cadência narrativa se rompe, e a sensação é a de que parte do impulso emocional se perde nas costuras mal costuradas.

Outro ponto que atrapalha bastante é o som. A trilha sonora, embora com momentos inspirados, invade demais os diálogos: em várias cenas, a música se sobressai de tal forma que fica difícil ouvir claramente o que os personagens estão dizendo. Em vez de ajudar a construir atmosferas emocionais delicadas, a trilha se torna intrusiva, abafando nuances de atuação e matizando mal a voz de Squibb, Kellyman ou Hecht nos momentos mais íntimos. É uma pena, porque o trabalho de Johansson poderia emergir com mais força se houvesse um equilíbrio melhor entre som ambiente, trilha e fala.

Mas não posso encerrar sem destacar o que realmente salva o filme: June Squibb. Sua interpretação é simplesmente magnífica — o grande trunfo de todo o projeto. Squibb traz uma graça intrínseca, uma mistura de força, vulnerabilidade, humor ácido e ternura genuína que sustenta cada cena em que ela aparece. Há momentos em que basta um pequeno sorriso ou uma faísca de indignação em seus olhos para que todo o filme recobre vida. Ela consegue irradiar personalidade, mesmo quando a trama ao redor se torna previsível ou banal. É exatamente a mesma sensação que tive com seu trabalho em Thelma: o filme pode não ser brilhante, mas ela é um primor em sua interpretação — uma atriz completa, com uma presença que lota a tela e carrega o peso de dilemas morais sem jamais perder a humanidade.

No que diz respeito à direção, Johansson mostra ambição e sensibilidade, mas também inexperiência. Há passagens em que sua mão é firme, sobretudo nas cenas íntimas entre Eleanor e Nina (Erin Kellyman), onde o luto e a amizade se entrelaçam com naturalidade — Kellyman, por sua vez, entrega uma performance honesta, equilibrando a dor da perda com a curiosidade de quem quer dar voz a um relato poderoso. E há ainda a figura de Chiwetel Ejiofor, no papel do pai de Nina, Roger, que traz uma gravidade necessária, embora sua jornada emocional pareça em alguns momentos mal dimensionada no roteiro.

A fotografia, assinada por Hélène Louvart, tem méritos: ela captura ambientes de forma simples, sem ostentar, remetendo a uma estética de documentário íntimo que combina bem com a narrativa centrada em personagens. Mas há ocasiões em que a mise-en-scène peca por ser excessivamente prosaica, sem jogo visual que acompanhe a ambição dramática da história. A direção de arte e os figurinos ajudam a ambientar bem: a Nova York envelhecida, os salões do centro comunitário judaico, os apartamentos modestos — tudo parece familiar, acolhedor, mas também carrega uma melancolia sutil.

Em termos de roteiro, Tory Kamen cria uma premissa poderosa — a identidade, a perda, a mentira como forma de pertencer —, mas a execução deixa a desejar quando o filme deveria escavar mais. O dilema ético de Eleanor é instigante, mas o filme acaba encapando o conflito real e simplificando as consequências. Há um tom de ingenuidade moral que incomoda, especialmente quando se trata de algo tão delicado quanto a apropriação da memória de Bessie, uma sobrevivente do Holocausto. Em vez de enfrentar as repercussões profundas dessa usurpação, o filme prefere transitar por caminhos mais seguros, quase como se quisesse poupar sua personagem de um enfrentamento mais radical.

Ao final, A Incrível Eleanor entrega belas cenas emocionais, momentos ternos e risos verdadeiros, e tudo isso graças, em grande parte, à performance de Squibb e à boa conexão entre os personagens. Mas o drama que toma conta da reta final se sustenta em conveniências narrativas e escolhas fáceis. O tom moral se amarra por amarrotados emocionais, em vez de se desenvolver com a complexidade que o tema sugere.

Em resumo, é um filme com bons instantes — alguns bem tocantes, outros divertidos —, mas que falha em sustentar seu próprio potencial. Johansson, em seu primeiro longa como diretora, demonstra sensibilidade e boas intenções, mas peca quando tenta equilibrar comédia e tragédia sem realmente mergulhar fundo nas contradições morais do enredo. A edição amadora e o som mal equilibrado atrapalham a experiência, mas a força de June Squibb é tão grande que muitas vezes ela salva o que poderia se tornar apenas um exercício de boas ideias não completamente realizadas. Se você gosta de filmes de personagens, de dramas honestos e de atuações brilhantes, vale a pena assistir — mas não espere uma obra redonda nem uma dramédia bem costurada de ponta a ponta.