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setembro 27, 2025

Os Malditos (2025)

 


Título original: The Damned
Direção: Þórður Pálsson
Sinopse: Uma viúva do século XIX é encarregada de fazer uma escolha impossível quando, durante um inverno especialmente cruel, um navio afunda na costa de sua empobrecida vila de pescadores islandesa. Qualquer tentativa de resgatar sobreviventes corre o risco de esgotar ainda mais os suprimentos dos moradores famintos.


Estou realmente farto desses filmes de mistério, terror e coisas do tipo que se passam na Islândia, sempre com os mesmos cenários (especialmente da praia de Vík, onde estive inúmeras vezes), que não transmitem mais nenhum tipo de mistério pelo esgotamento do cenário das últimas duas décadas que se transformou a Islândia. Com essa declaração já na primeira linha, é preciso encarar Os Malditos (The Damned, 2025), de Þórður Pálsson, como mais um exemplar dessa safra que aposta tudo na paisagem e muito pouco na invenção narrativa. O filme se apresenta, à primeira vista, como um conto de vingança folclórica e horror moral situado numa estação de pesca do século XIX: a premissa — um naufrágio, a decisão de não ajudar os sobreviventes e as consequências sobrenaturais/psicológicas que se seguem — foi explorada com competência técnica em alguns momentos, mas cai na repetição e na inércia dramática. 

Pálsson demonstra um bom gosto estético: a fotografia de Eli Arenson empilha horizontes gélidos, neves e céus baixos em composições que lembram, em pulseadas visuais, o cinema folk-horror contemporâneo. Há enquadramentos que funcionam como pequenas lâminas cortantes — horizontes que se rompem com um corpo na praia, mãos que emergem do gelo, close-ups que respiram claustrofobia — e a mixagem de som frequentemente sustenta a cena melhor do que o roteiro. Esses acertos técnicos, porém, não salvam a estrutura frágil do texto adaptado por Jamie Hannigan: a narrativa hesita entre a fábula moral e o pastiche de câmara, e as elipses não criam mistério — criam frustração. 

O elenco entrega trabalho digno: Odessa Young carrega a película com uma presença física e uma tensão contida que, em instantes, tornam verossímil o medo e a culpa que corroem sua protagonista. Joe Cole e Rory McCann oferecem perícias rudes que combinam com o ambiente de dureza econômica e moral da comunidade; ainda assim, a construção dos personagens é esparsa, e suas motivações nunca recebem o cuidado necessário para que as escolhas extremas do filme ecoem com força. É como se Pálsson preferisse que os atores servissem de marionetes para uma atmosfera já conhecida — bonita, mas previsível — em vez de cristalizá-los como sujeitos complexos. Isso compromete o impacto das cenas-chave, porque quando o roteiro finalmente tenta forçar uma alegoria sobre culpa e sobrevivência, falta substrato dramático para que a alegoria funcione plenamente. 

O som e a edição, por outro lado, são dois componentes que merecem menção: há momentos de montagem que alcançam tensão verdadeira, cortes que traduzem o pânico e a fragmentação mental; e a textura sonora — passos no gelo, rangidos de cordas, o bater distante do mar — cria um ambiente físico quase palpável. Mas esses recursos são usados de forma episódica, pontual, e não sustentam o todo. O filme parece correr atrás de set pieces atmosféricas em vez de desenvolver uma progressão dramática coerente. O descompasso entre intenção e execução é nítido: Pálsson sabe formular imagens memoráveis, porém não sabe ampliar essas imagens para uma narrativa cujo crescendo emocional convença. 

E aqui preciso ser direto: filme arrastado que não traz nada de novo, nenhum susto, nada. Entediante. A lentidão nunca é uma virtude por si só — ela só é justificável quando revela camadas novas do texto ou quando instala um terror que gradual e inexoravelmente corrói o espectador. Em Os Malditos, a lentidão se transforma em preguiça de invenção. Os sustos são previsíveis ou preguiçosos, a mitologia nórdica (os draugr, a crença na vingança dos mortos) é mais referida do que aprofundada, e o resultado é um filme que repete fórmulas que já vimos — e vimos com mais inteligência — em obras como A Bruxa ou O Farol (ambos de Robert Eggers, também de Nosferatu). Quando o clímax chega, há uma sensação de déjà-vu e de oportunidade perdida: a moral ambígua poderia ter virado uma reflexão corrosiva sobre sobrevivência e culpa, mas se contenta com um final esteticamente arrumado que não repara as lacunas do percurso. 

Do ponto de vista técnico, portanto, Os Malditos é um acerto parcial: a direção de fotografia e a direção de arte constroem uma ilha visual convincente; a performance de Odessa Young é, em momentos, comovente; a sonoplastia beira o exemplar. Mas o roteiro e o ritmo minam essas virtudes, e o filme, no balanço final, revela-se uma peça decorativa — bonita para se olhar, pobre para se sentir. Há também um problema de contexto cultural: filmar repetidamente a Islândia como palco de mistério fácil já cansou o público que conhece o lugar, e transforma a paisagem em clichê narrativo. Essa saturação geográfica rouba o que poderia ser o principal diferencial de uma obra assim — o enrugamento autêntico entre território e trauma — e transforma a paisagem em cenário de catálogo turístico sombrio, o que soa falso quando se pretende invocar o folclore como coisa viva. 

Como crítica final: admiro o talento técnico de alguns colaboradores e reconheço vontade autoral em Pálsson de criar uma fábula de culpa e retribuição, mas a ambição se choca com a pobreza do tratamento narrativo. Os Malditos é um filme que tem atmosfera, mas não tem argumento que a sustente; tem beleza plástica, mas não sabe transformar essa beleza em significado duradouro. Ao terminar a sessão, resta a sensação de que viu-se mais um exercício de estilo do que um filme que realmente perturba, inquieta ou amplia o gênero. É cinema que decora o horror em vez de o reinventar — e em 2025, depois de tanta repetição, isso já não basta. A última imagem permanece bonita, mas vazia: e essa vacuidade, por fim, é talvez a sua maior maldição.

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