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setembro 03, 2025

Bambi: Uma Aventura na Floresta (2024)

 


Título original: Bambi, l'histoire d'une Vie dans le Bois
Direção: Michel Fessler
Sinopse: Em uma jornada de descoberta e superação, o jovem cervo Bambi explora a vida na floresta ao lado de sua mãe amorosa, aprendendo sobre amizade, natureza e esperança. Ao crescer, ele conhece Faline, sua futura amada, e vive momentos de alegria e perda ao perder sua mãe para caçadores. Sob a proteção de seu pai, o Príncipe, Bambi enfrenta os desafios da vida selvagem e aprende a se tornar forte e independente.


Desde o instante em que os primeiros planos de floresta se desdobram na tela, Bambi: Uma Aventura na Floresta se impõe como uma obra de rara delicadeza visual. Sob a direção de Michel Fessler, esta adaptação do clássico de Felix Salten não busca rivalizar com a versão animada da Disney, mas sim, celebrá-la através de uma linguagem cinematográfica absolutamente distinta e, ao mesmo tempo, respeitosa à história original. Filmado em paisagens realistas, o filme retrata animais verdadeiros – cervo, corvo, coelho, guaxinim – permitindo que cada olhar, cada gesto, cada detalhe da natureza se torne protagonista de uma narrativa silenciosa e contemplativa.

A fotografia é assinada por Daniel Meyer, e sob sua lente, a floresta se transforma em um universo sensível. O jogo de luz e sombra entre as copas das árvores, os closes que capturam o tremular das folhas, as suaves transições entre os planos evocam uma poesia estética que atravessa a tela e toca diretamente o espectador. O filme se aproxima da linguagem documental, lembrando As Aventuras de Chatran (Koneko Monogatari, 1986), justamente pela forma como expõe seus personagens animais com naturalidade e proximidade, sem recorrer à antropomorfização; aqui, nada é falado pelos animais — temos apenas uma narradora que guia nossa imersão com leveza e elegância.

A voz de Mylène Farmer exerce esse papel narrativo com maestria. Sua entonação suave, maternal, não apenas conduz a história, mas imprime uma camada de intimidade e ternura à experiência — exatamente aquela sensação de estar sendo cuidado, observado e convidado a admirar algo profundamente belo. A música, composta por Laurent Perez del Mar, se integra com refinamento à ambientação sonora: o canto dos pássaros, o farfalhar das folhagens, os pequenos ruídos da vida selvagem são orquestrados de forma sutil e orgânica, resultando em um acompanhamento emocional que não invade, mas complementa perfeitamente o ritmo contemplativo do filme.

Tecnicamente, o trabalho de som de Thomas Desjonqueres, Boris Jollivet e François-Joseph Hors contribui decisivamente para esse efeito de imersão sensorial. A mistura entre ambientes naturais e música tem uma fluidez que envolve sem distrair, um equilíbrio pouco comum no cinema infantil contemporâneo.

Narrativamente, o filme segue o arco de aprendizado do jovem Bambi, desde seus primeiros passos ao lado da mãe e dos amigos da floresta — corvo, coelho, guaxinim — até o momento em que, durante o outono, se vê separado dela pela caça. A sequência que dramatiza esse evento — embora excepcionalmente comovente —, é tratada com delicadeza: surgem apenas sinais, como um estampido distante, e a ausência, sem uma representação gráfica, confere ao momento uma potência emocional que evita o sensacionalismo.

Logo após essa perda, Bambi encontra Faline, amiga de infância, e em seguida seu pai, um majestoso cervo que assume o papel de mentor, introduzindo-o às nuances da sobrevivência na floresta. A transição é suave e menos dramática do que a de 1942 — aqui, Bambi é acolhido quase imediatamente, uma escolha narrativa que suaviza o trauma e oferece uma lição de resiliência e orientação cuidadosa, como se o próprio filme preferisse nutrir a esperança em vez de afundar na tragédia.

Emocionalmente, preciso confessar: Bambi e somente um outro filme são os únicos que me fazem chorar. Mas desta vez, não foi lágrima de dor — foi um sorriso que doía os músculos faciais de tanto ter pura emoção. A beleza e a fofura unidas, cena após cena, criaram uma sensação de alegria tão profunda que virou riso sereno, quase físico. É uma experiência cinematográfica que reconcilia o olhar adulto com a inocência perdida e, ao mesmo tempo, atenciosamente preserva essa inocência.

Vale mencionar também a polêmica que o filme gerou: organizações de defesa dos animais, como o Projeto Animais Zoopolis, criticaram o uso de animais reais em filmagens, argumentando que isso contraria os valores do próprio autor Felix Salten, que denunciava os sofrimentos dos animais em cativeiro. Do outro lado, a equipe técnica defendeu suas práticas, afirmando que os animais foram tratados com extremo cuidado — alguns membros da equipe afirmaram que “são melhor considerados do que muitos humanos”; supervisionados por uma coach animal que limitou as tomadas e zelou pelo bem-estar de cada sujeito — o filme levou nada menos que dezesseis semanas de filmagem e teve atenção artesanal aos mínimos detalhes. Mesmo essa controvérsia se encaixa no tom do filme, pois reforça a reflexão sobre nosso relacionamento com o mundo natural — um tema caro ao romance original, que explorava com delicadeza dolorosa essa vulnerabilidade partilhada entre humanos e animais.

Em suma, Bambi: Uma Aventura na Floresta se impõe como uma obra de rara sensibilidade técnica e poética. A delicadeza da fotografia, a narrativa sem diálogo dos animais, a música e o som integrados com elegância, a voz envolvente de Mylène Farmer e uma abordagem emocional que privilegia o cuidado e a esperança — tudo isto compõe um filme que é, de fato, um deleite visual para quem ama a história original ou a versão animada da Disney, mas também oferece uma experiência nova, quase etérea — onde o real e o imaginado se entrelaçam na essência da natureza.

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