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setembro 02, 2025

Dor e Glória (2019)

 


Título original: Dolor y Gloria
Direção: Pedro Almodóvar
Sinopse: Salvador Mallo é um melancólico cineasta em declínio que se vê obrigado a pensar sobre as escolhas que fez na vida quando seu passado retorna. Entre lembranças e reencontros, ele reflete sobre sua infância na década de 1960, seu processo de imigração para a Espanha, seu primeiro amor maduro e sua relação com a escrita e com o cinema.


Dor e Glória (Dolor y Gloria, 2019), de Pedro Almodóvar, representa uma jornada autobiográfica do diretor, estrelada por Antonio Banderas como Salvador Mallo, um cineasta envelhecido e adoecido que revisita sua vida por meio de memórias e dor. Com fotografia assinada por José Luis Alcaine — colaborador frequente do cineasta — e montagem de Teresa Font, o filme se desenrola em 113 minutos de intensidade conferida por um design visual rico e simbólico.

Ao considerar esta obra com um olhar severo, sinto que ela se arrasta, repetindo um padrão que já se tornou cansativo: mais uma das tantas semibiografias de Almodóvar. O cineasta parece revisitar obsessivamente o mundo do teatro e do cinema: diretores, atores envelhecidos, cheios de cicatrizes emocionais e físicas, em busca de redenção. Essa fórmula, que encantou no passado, agora soa velha e enfraquecida — o ritmo lento e introspectivo amplifica esse incômodo.

Tecnicamente, sim, é possível reconhecer a sofisticação: o design de produção de Antxón Gómez e a direção de arte de María Clara Notari constroem interiores repletos de obras de arte, como se cada cena fosse uma galeria pessoal de memórias. O diretor de fotografia, José Luis Alcaine, utiliza uma paleta vibrante típica de Almodóvar — mundos cromáticos repletos de vermelho, azul, amarelo, verde e laranja — com forte influência expressionista. A estética é visualmente poderosa, quase uma pintura em movimento. Para muitos, isso pode ser uma beleza poética; para mim, é visual demais, excessivamente carregada, e quando o diretor já soma dezenas de filmes, isso cansa e soa artificioso. Esse excesso de cor, que deveria ser metáfora emocional, aqui cai em artifício exacerbadamente repetitivo.

Narrativamente, não há surpresa. "Enfant terrible" (indivíduo muito independente, cuja inteligência e ímpetos de imprudência criam problemas na sociedade ou no grupo em que vive) ou suas personagens sempre envolvem relações homoafetivas, referências ao teatro e ao cinema, e um arco de redenção inexorável — e previsível. Almodóvar parece ter atingido um platô criativo: repete as mesmas premissas, volta aos mesmos rostos e temas, e enxarca tudo com sua assinatura visual. O espectador sente que já viu isso antes, muitos anos atrás. É cansativo e fatigante, como se estivesse revisitando um disco antigo que não quer parar de tocar.

Mesmo a montagem das memórias — viagens entre passado e presente, flashbacks emocionais, a participação da mãe já idosa — parece mais um repertório de velhas fórmulas do que uma nova descoberta narrativa. Não há invenção na forma; há apenas repetição. E essa repetição estende o filme de uma maneira que, francamente, exige paciência do espectador: confesso que precisei vê-lo em três partes, pausando várias vezes para suportar tanto simbolismo visual e introspecção arrastada.

A trilha sonora de Alberto Iglesias, usualmente inspiradora, aqui desliza entre o melancólico e o adornado, mas não consegue salvar o filme da sensação geral de “mais do mesmo”. A beleza está ali, com cenas líricas, vozes narrativas sobre memórias de infância, a icônica sequência das lavadeiras cantando — tudo com potencial poético — mas ao invés disso, tudo soa como um exercício de nostalgia que apela ao espetador, sem realmente renová-lo.

Em resumo, minha impressão geral: Almodóvar, uma vez inovador, parece ter se golpeado pelo próprio reflexo. Ele repetiu e repetiu, com os mesmos atores, estética e temáticas — um loop visual e emocional que não se sustenta. Dor e Glória é um filme enjoativo, que requer pausas para ser tolerado e que falha em oferecer algo além de sua própria reiterada assinatura. É, no fim, pobre em novidade, pobre em ritmo, e pobres em risco narrativo. Se em alguns filmes anteriores suas exuberâncias visuais e temáticas tinham propósito e originalidade, aqui só restam as marcas de um repertório esgotado — bela fachada, mas interior vazio.

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