Pretty Thing, thriller erótico dirigido por Justin Kelly e escrito por Jack Donnelly, reúne um conjunto singular onde simplicidade narrativa, construção gradual e elementos técnicos se fundem para criar uma experiência que cativa profundamente o espectador. Estrelado por Alicia Silverstone (Sophie) e Karl Glusman (Elliot), o filme é um estudo de obsessão e desequilíbrio emocional à primeira vista discreto, mas poderoso em intensidade — uma obra que paira entre elegância e inquietude.
O filme inicia-se de forma deliberadamente serena e despretensiosa: o roteirista Jack Donnelly apresenta Sophie e Elliot em um primeiro encontro casual, quase ingênuo, que se revela encantador justamente por sua aparente ausência de conflito. Essa calmaria narrativa sustém o espectador, enquanto o diretor prepara silenciosamente o terreno para algo muito mais intenso. A partir da metade da obra, percebe-se uma virada dramática: as sutilezas dão lugar a uma escalada angustiante que culmina em um clímax tenso e inevitável. Essa progressão — da leveza à tensão crescente — é construída de forma quase imperceptível, tornando o impacto final ainda mais impactante.
A trilha sonora, composta por Timothy John Kvasnosky (Tim K), transcende sua função habitual e se torna parte integrante da narrativa — quase um personagem adicional. A música não obedece padrões previsíveis: é atmosférica, conforme cada cena exige, alternando entre elementos eletrônicos, piano processado, vocais etéreos e manipulações de fita. Essa riqueza sonora adiciona camadas emocionais à trama, conferindo profundidade ao argumento que, embora eficiente, se mantém minimalista. A trilha de Tim K colabora diretamente com a crescente aura de inquietação, moldando o ritmo interno do filme com elegância inquietante.
Uma escolha ousada é a ausência de química “óbvia” entre o casal protagonista — um aspecto que muitas críticas apontaram — mas que aqui se lê como proposital. A frieza entre eles é incômoda, e funciona como indício do que está por vir: não há encanto duradouro, mas uma tensão latente. Silverstone interpreta Sophie com frieza deliberada, quase desprendimento, reforçando a sensação de que ela está reservando sua verdadeira reação para quando tudo se transformar. Glusman, por sua vez, encarna Elliot com sutileza perturbadora: seus gestos, o olhar exausto, denotam o esgotamento emocional de um stalker que espreita sua “amada” com uma determinação silenciosa — o rosto cansado conta mais que diálogos explícitos.
A edição, também assinada por Justin Kelly, funda-se harmoniosamente à trilha. Os cortes não perseguem o ritmo acelerado do thriller convencional nem buscam espetacularidade gratuita: são cirúrgicos, sutis, ajustados à atmosfera sonora e à progressão emocional da narrativa. Essa combinação resulta num fluxo orgânico, onde som e imagem se alimentam mutuamente, mantendo o controle da tensão até a explosão final — tudo funciona no conjunto, sem recursos explícitos ou artifícios desnecessários.
Embora se trate de um filme modesto em termos de escala e recursos, Pretty Thing alcança um grau elevado de coesão técnica e expressão artística. A fotografia de Matt Klammer, com sua paleta sóbria e abordagem visual contida, evita excessos sensacionalistas e realça o clima discreto e inquietante da trama. Esse minimalismo, longe de limitar, potencializa a experiência estética e emocional, provando que um projeto de menor orçamento pode, sim, atingir níveis artísticos extraordinários quando cada elemento — roteiro, som, atuação, edição — se alinha com propósito e sensibilidade.
Para mim, Pretty Thing foi um achado cinematográfico que me fisgou desde o primeiro instante. Apaixonei-me por esse cinema que entende que, às vezes, menos é tudo — quando há clareza de intenção e força na execução. O filme encanta por sua ousadia silenciosa, pela maneira com que transforma o cotidiano em algo inquietante, pela trilha sonora que sussurra e faz tremer, pelo roteiro que cresce lentamente até que já não há como voltar atrás. É uma aula de como a simplicidade, quando bem pensada e trabalhada com inteligência, pode chegar a lugares surpreendentes.
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