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agosto 05, 2025

Gagarin: O Primeiro no Espaço (2013)

 


Título original: Гагарин. Первый в космосе 
Direção: Pavel Parkhomenko
Sinopse: O filme é dedicado á vida de Yuri Gagarin, a infância, a preparação para o vôo e a luta pela supremacia no corpo de cosmonautas. Exibindo relacionamento com sua esposa e Sergei Korolev. O filme mostra antes e durante seu voo espacial,no qual ele se lembra de vários momentos importantes de sua vida.


Desde o primeiro momento, a história de Yuri Gagarin e do voo Vostok 1 carrega em si um potencial épico e transformador — a mais significativa conquista da União Soviética após o Sputnik de 1957. Porém, essa grande narrativa se perde num filme que parece uma sucessão de equívocos técnicos e artísticos. Em vez de elevar a saga do primeiro homem no espaço, o longa nos conduz por reviravoltas estilísticas que comprometem a emoção e a autenticidade da jornada.

A vida pessoal de Gagarin, suas origens humildes e o heroísmo real, ficam fragmentados num vai e vem narrativo que cansa. O filme se desenvolve num único dia — 12 de abril de 1961 — e mescla ao longo dessa órbita da Vostok flashbacks que, em teoria, deveriam humanizar o protagonista. Contudo, a alternância entre lembranças da infância, conversas com a esposa Valentina, camaradagens e rivalidades internas relega o verdadeiro Gagarin a um retrato desfocado.

Mais desconcertante ainda: ao invés de aprofundar Gagarin como figura heroica e inspiradora, o filme foca exageradamente nas disputas dentro da seleção de cosmonautas — rivalidades pessoais e burocráticas — em detrimento da trajetória emocional de seu protagonista. A própria pauta do antagonismo interno chega a parecer mais relevante do que o próprio voo histórico.

No geral, as performances beiram o mediano – algumas cenas chegam a ser forçadas, com personagens caricatos, sendo que muitos permanecem com expressão única durante quase todo o filme. A esposa Valentina (interpretada por Olga Ivanova) transmite mais luto do que esperança, e colegas como Titov (Vadim Michman) parecem motivados por inveja ou excesso de dramatização. Apenas Yaroslav Zhalnin, no papel de Gagarin, surge como o mais convincente: em algumas cenas — especialmente quando lida com desafios internos — ele capta ao menos a humildade e calma que marcaram o cosmonauta real.

Surpreendentemente, o filme não utiliza som direto: tudo soa como se tivesse sido dublado em russo — e mal. Há uma sensação constantemente deslocada: parece que estamos assistindo a um filme estrangeiro, remontado como dublado numa língua que não pertence ao original. Em pleno século XXI, essa escolha técnica soa arcaica e artificial, e corrói totalmente a imersão do espectador na ambientação espacial e emocional.

Os efeitos digitais são francamente problemáticos. Em cenas de gravidade zero ou órbita, por exemplo, o CGI chega a ser quase risível — a suspensão dos atores, movimentos das cápsulas e perspectivas espaciais parecem animações baratas, descoladas da realidade. Contrastando com isso, algumas tomadas da Terra visto do espaço conseguem ser belas e convincentes: a imagem do planeta flutuando em azul profundo é um raro momento de contemplação estética válida.

Se Hollywood tivesse produzido esse filme com os recursos que emergiriam alguns anos depois, especialmente após O Primeiro Homem (2018) sobre Neil Armstrong, talvez teríamos algo bem mais impactante e emocionalmente recorrente. A estrutura narrativa, a projeção do voo e o foco na psique do protagonista evocam a sensação de que Gagarin poderia quase ter precedido O Primeiro Homem — ou até inspirado parte de sua abordagem. Será que essa é a origem da ideia? Em qualquer caso, o cinema americano fez melhor depois.

Apesar dos defeitos, o filme cumpre um papel histórico importante. É raro ver uma produção russa sobre uma das figuras mais emblemáticas do país sem um viés político explícito ou revisionista. A obra tenta aderir à cronologia dos eventos reais: infância, seleção de cosmonautas, relacionamento com Korolev, esposa, pais, o lançamento. Não omite a estrutura original da missão — embora ignore deliberadamente os acontecimentos posteriores à decolagem, inclusive a misteriosa morte de Gagarin em 1968. Mesmo assim, o filme é aprovado pela família do cosmonauta, em condições que outras produções anteriores não conseguiram obter.

A fotografia de Anton Antonov e a montagem recebem elogios por apresentarem planos claros, composições clássicas e iluminação simples — sem exageros de cores ou edição frenética. Mas essa simplicidade se transforma em letargia, com ritmo arrastado e falta de tensão narrativa. Em vários momentos, a transição de quadros parece lenta demais para um tema que exige urgência emocional — como o lançamento de um foguete ao espaço.

Apesar de ter a assinatura de George Kallis, a trilha sonora não se impõe; parece totalmente subordinada à imagem, sem criar atmosfera própria ou reforçar emoções. Boa parte do filme é silenciosa ou cheia de ruídos internos, sem nenhum acento musical significativo. Fica a sensação de que o som foi deixado de lado na concepção global.

Gagarin: O Primeiro no Espaço tinha potencial para ser uma obra emocionante e reverente à figura de Yuri Gagarin e à epopeia tecnológica soviética. Mas falha em alcançar esse objetivo de modo coerente. O roteiro fragmentado, o excesso de foco em rivalidades internas, a falta de profundidade no personagem central, as atuações desiguais e os efeitos visuais de baixa qualidade minam a força dramática da narrativa.

Ainda assim, o filme conserva valor como documento histórico: é uma das primeiras biografias fílmicas oficiais de Gagarin apoiadas pela família e por instituições russas reformulando o legado dele sem manobras revisionistas. Se alguém busca um retrato básico do contexto, da operação Vostok e da personalidade pública do cosmonauta, o filme entrega — mas como arte cinematográfica, desaponta.

Portanto, vale como registro, não como épico. Infelizmente, uma conquista tão monumental merecia uma realização à altura — coisa que só Hollywood mostrou posteriormente.

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