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agosto 09, 2025

Amores Materialistas (2025)

 


Título original: Materialists
Direção: Celine Song
Sinopse: O lucrativo negócio de uma casamenteira se complica quando ela se envolve em um triângulo amoroso tóxico que ameaça seus clientes.


Amores Materialistas (Materialists, 2025), de Celine Song, chega carregado de boas intenções: herda a aura sensível e o apuro formal de Vidas Passadas — seu primeiro longa que arrebatou público e crítica — e tenta agora transpor a mesma atenção aos afetos para uma comédia romântica de ideias. O problema é que, em vez de reinventar o gênero, o filme se acomoda em fórmulas e em beats narrativos tão previsíveis que a própria mise-en-scène acaba por amplificar a sensação de déjà-vu. A promessa de uma crítica ao capitalismo sentimental, tão citada em entrevistas da diretora, existe — mas frequentemente serve mais como adereço conceitual do que como motor dramático convincente.

O enredo é simples e, por isso, perigosamente vulnerável ao óbvio: Lucy (Dakota Johnson), uma matchmaker de Manhattan, torna-se ponte entre um casal idealizado e a própria busca por um amor “autêntico”; entre ela, um bilionário perfeito (Pedro Pascal) e o ex-namorado em dificuldades (Chris Evans), desenha-se o triângulo que o público já viu tantas vezes. A partir das primeiras cenas já é possível intuir não só o desfecho, mas também boa parte dos obstáculos impostos à protagonista — e é essa previsibilidade que empurra o filme para uma cadência narrativa onde pouco se descobre, pois tudo já foi anunciado. 

Tecnicamente, Amores Materialistas acerta em alguns pontos: a fotografia de Shabier Kirchner oferece planos cuidados e uma paleta urbana que casa com o tema da mercantilização dos afetos; a direção de arte monta ambientes de luxo com um senso de detalhe preciso; e a montagem de Keith Fraase tenta, com cortes limpos e elipses discretas, preservar o ritmo íntimo que Song já demonstrara saber manejar. Entretanto, aqui os acertos estéticos viram coadjuvantes de um roteiro que insiste em alongar situações óbvias por sequências inteiras — e é justamente nesta expansão que o filme se torna arrastado. Há cenas longas que sugerem buscar profundidade, mas que na prática reiteram a mesma ideia em tons diferentes, sem aportar conflito novo ou complexificação emocional. O resultado: sensação de filme mais longo do que precisa ser, porque a duração é usada para repetir aquilo que poderia ser dito com menos temporalidade redundante.

No centro do problema está o roteiro. A escrita de Song, que em Vidas Passadas traduzia mínimos detalhes da intimidade em pequenas revelações que feriam de verdade, aqui cede a convenções românticas (o reencontro culminante, a prova performativa de amor, o gesto público que "resolve'') que enfraquecem a verossimilhança emocional. A grande falha não é a presença de arquétipos — todo filme dialoga com arquétipos —, mas a inércia diante deles: o roteiro não encontra elementos inesperados para subverter a estrutura, nem oferece camadas psicológicas suficientemente densas para justificar o retorno sentimental do arco principal. Em outras palavras: o desfecho, que em outras mãos poderia surpreender por subversão, aqui soa como o cumprimento de um manual prévio. Vários críticos catalogaram essa sensação de perda de ímpeto na metade final, apontando que a ambição teórica do filme (criticar como o mercado trata o amor) se sobrepõe ao trabalho de criar afinidade dramática entre personagens. 

As atuações — ponto que poderia salvar a sessão — oferecem momentos riscados: Dakota Johnson tenta imprimir interioridade a Lucy, mas muitas vezes a direção a prende a beats expositivos; Pedro Pascal compõe um bilionário que é, propositalmente, uma caricatura de perfeição artificial; Chris Evans, no papel do ex, tem o carisma habitual, mas recebe poucas oportunidades de densificar o passado que deveria sustentá-lo como escolha moral da protagonista. Em suma: o elenco dá o que o roteiro permite, e o que o roteiro permite não é suficiente para transformar clichês em figuras dramáticas legítimas. Alguns resenhistas elogiaram performances isoladas, porém também ressaltaram que a química entre os pares centrais nem sempre convence — problema fatal para um romance cujo interesse depende, primeiramente, da verossimilhança afetiva. 

A música de Daniel Pemberton tem lampejos interessantes — há momentos onde a trilha acentua ironia e melancolia de maneira adequada —, mas ela também contribui para o efeito de “polimento” que o filme exibe: tudo é esteticamente elegante, composto e fotografado, de modo que a polidez formal torna-se máscara que camufla a falta de nervo narrativo. A montagem tenta imprimir ritmo, mas em muitas sequências o ritmo é deliberado demais — deliberado ao ponto de entediar. Para um gênero que exige tensão entre convenção e novidade, a balança pende demasiadamente para o primeiro. 

Do ponto de vista temático, a ideia de tensionar amor e mercado é válida e até bem localizada (a relação entre riqueza, imagem corporal e o comércio dos afetos é um campo rico). No entanto, a maneira como o filme “explica” essa tensão — por meio de diálogos expositivos, metáforas óbvias e situações que rimam entre si — transforma a crítica em enfeite. A mensagem aparece mais como conclusão já pronta do que como descoberta dramatúrgica. Quando o cinema transforma argumento social em slogan moral, ele perde a ambiguidade necessária para engajar o espectador em reflexão verdadeira; aqui isso acontece com frequência. Alguns analistas reconheceram a coragem de Song em usar uma comédia romântica para debater capitalismo e estética, e há mérito nisso; mas mérito não basta quando a experiência vivida na sala é a de repetição previsível. 

Há também uma questão de ritmo interno: o filme parece dividido entre duas vontades — ser um estudo de caráter íntimo e ser um comentário cultural amplo. Essa tensão poderia gerar dinâmica se o roteiro costurasse com sutileza os dois planos; ao contrário, alterna momentos contemplativos com set pieces de convenção romântica que não se casam organicamente. O espectador que busca surpresa narrativa ou risco emocional sai frustrado; aquele que procura apenas aplacar as expectativas da comédia romântica pode até encontrar conforto, mas provavelmente sentirá que está assistindo a uma versão muito polida e pouco imaginativa do gênero. As reações do público e das bilheterias mostram um recepção mista: críticas positivas coexistem com vozes que apontam problemas de ritmo e coerência emocional — uma divisão que traduz, exatamente, o centro do impasse do filme. 

Em termos de linguagem cinematográfica, não há como não reconhecer o refinamento visual: enquadramentos cuidadosos, uma atenção aos objetos que se inscrevem no tema (presentes, listagens, imagens de consumo), e a gestão de tempo diegético em vários flashbacks e micro-memórias. Mas aqui o “arranjo” vence a invenção: há competência técnica abundante, falta ousadia dramática. É como se todo o elenco e equipe técnica tivessem sido instruídos a construir uma vitrine impecável, porém vazia de risco narrativo. Quando a forma não dialoga produtivamente com a substância, o filme vira exercício de estilo mais que acontecimento emocional. 

Conclusão: Amores Materialistas é um filme de intenções claras e execução tecnicamente polida que, infelizmente, não consegue transformar sua tese em história envolvente. O grande pecado aqui não é o tema — esse é atual e fascinante — mas o uso previsível de dispositivos dramáticos que prometem subversão e, no fim, apenas reproduzem o gosto do lugar-comum. O espectador atento perceberá o final muito antes que a narrativa lá chegue; por isso a experiência se alonga em vez de se aprofundar. É um trabalho que dá mostras de autoralidade e sensibilidade, mas que sucumbe ao clichê e à extensa exposição, tornando-se um romance “sem sentido” no sentido de não acrescentar nada novo ao panorama do gênero. Em vez de ser a resposta vigorosa que renovaria a comédia romântica contemporânea, acaba por ser mais uma peça bem acabada na vitrine — bonita de ver, vazia de surpresa. 

Fecho com um aviso direto ao leitor: há no filme  —  como sempre há em trabalhos de cineastas promissores — sinais de uma criadora em evolução; porém esperança não substitui trama. Quando a sala murmura de tédio nas cenas finais, não é apenas pela duração: é porque, depois de tanto cuidado técnico, esperávamos que a obra nos pegasse pelo inesperado. Aqui, infelizmente, tudo já estava escrito nas primeiras cenas.

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