Raríssimos são os clássicos do cinema mudo que, mesmo com toda aura e importância histórica, conseguem falhar tão profundamente quanto O Cavalo de Ferro. Este filme, dirigido por John Ford ainda nos primórdios de sua carreira, aspira a ser uma epopeia grandiosa — a construção da ferrovia transcontinental —, mas, com pouco menos de duas horas e meia, transforma-se em um marasmo arrastado, previsível e esteticamente vazio.
Estreando originalmente em 1924, o longa foi disponibilizado no Brasil por volta de 1925 — a versão americana costuma durar 150 minutos (2h 30min), enquanto a internacional apresenta cerca de 133 minutos. Para um espectador moderno — ou mesmo para a audiência da época —, esse tempo torna-se insustentável diante de uma premissa que não possui força dramática capaz de sustentá-lo.
Tecnicamente, Ford demonstrou ambição. Filmagens realizadas em Nevada, com centenas de figurantes — chineses, imigrantes italianos e irlandeses, povos indígenas — e cenários imensos, revelam um esforço de escala. No entanto, toda essa engenharia visual não se traduz em força narrativa. Ainda que o uso de plano amplo sobre trilhos e locomotivas tenha influenciado westerns posteriores, o ritmo lânguido faz essas imagens mais parecerem postais imponentes — e entediantes.
A linha dramática não ajuda. Temos Davy Brandon, cujo pai foi assassinado por um branco infiltrado entre os índios. Anos depois, Davy volta para ajudar na construção da ferrovia e reencontra sua antiga amada — que por acaso está noiva de um engenheiro conspiratório. É o velho triângulo romântico: mocinhos e vilões cristalinos, vingança simplista, sem profundidade psicológica. A repetição de ataques dos nativos, em especial, soa estereotipada e sem poder narrativo real.
Entre os raros pontos que fogem à mediocridade, merece destaque a escalação de Charles Edward Bull para o papel de Abraham Lincoln. A seleção não foi meramente pela atuação — Bull era juiz de paz em Reno e possuía uma fisionomia quase idêntica à do presidente real; Ford, impressionado, o contratou imediatamente. Esse detalhe, mesmo notável, se sobressai como capricho isolado em um filme que, de resto, falha quase completamente em construir qualquer personagem memorável.
A construção da ferrovia — cenário que deveria imprimir tensão ou grandiosidade — adquire tom paradoxalmente mortífero: cenas longas, intertítulos expositivos e ações previsíveis fazem a experiência de assistir tornar-se quase uma prova de resistência. O filme leva o espectador à exaustão completa, especialmente quando somado à duração excessiva e à ausência de momentum dramático.
Os intertítulos, embora em alguns momentos poeticamente forçados, não compensam o enfraquecimento da narrativa. O tom patriótico e o panfleto visual — ao exaltar imigração, pioneirismo e “espírito americano” — soam mecânicos, como se Ford estivesse tentando vestir o filme com uma capa de significado histórico, apesar da estrutura dramática frágil.
Para a audiência contemporânea, é difícil celebrar O Cavalo de Ferro em sua extensão original. Ainda que preservado no National Film Registry nos EUA desde 2011 por sua relevância histórica, a experiência de assistir o filme é, para dizer o mínimo, torturante: atuações caricaturais à parte do Lincoln, enredo medíocre e uma produção que se quer épica, mas que só cansa.
Em suma, O Cavalo de Ferro é um raro exemplo de clássico dos anos 1920 que, longe de ser redentor pelo valor histórico ou cinematográfico, falha em quase tudo. Tecnicamente ambicioso, repleto de figurantes e locações expansivas, ele se arrasta sem ritmo dramático, com uma trama previsível, atuações datadas e pano de fundo histórico que nunca se transforma em narrativa envolvente. Resultado? Um espetáculo que não empolga, mas exaspera — uma demonstração clara de como um filme longo demais, com roteiro frágil e execução pomposa, pode se tornar verdadeiramente insuportável.
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