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julho 17, 2025

O Enfermeiro da Noite (2022)

 


Título original: The Good Nurse
Direção: Tobias Lindholm
Sinopse: Suspeitando que seu colega é responsável pelas mortes misteriosas de pacientes, uma enfermeira sobrecarregada arrisca sua própria vida para descobrir a verdade.


O Enfermeiro da Noite chega com aquela estética inconfundível dos filmes da Netflix: bem executada, limpa, discreta. Um suspense mais “bonzinho” do que impactante — nem ruim, nem memorável. A produção é tecnicamente competente: direção sóbria, fotografia fria, som comedido, montagem funcional e atuações contidas. Mas, no fim das contas, entrega uma experiência segura e medianamente envolvente, ideal para quem quer passar o tempo sem grandes exigências.

Tobias Lindholm, diretor dinamarquês com bagagem de A Caça e colaborador de Thomas Vinterberg, adota uma abordagem quase procedural para contar o caso real de Charles Cullen. A fotografia de Jody Lee Lipes cria corredores e quartos com atmosfera azulada ou esverdeada, reforçando a frieza hospitalar e a melancolia, mas a iluminação frequentemente plana subtrai profundidade visual aos personagens. O uso de luz reduzida ou ausência total de trilha sonora nos momentos de tensão lembra trabalhos de Fincher — mas sem a ousadia de narrativa ou estética desse estilo.

A música, assinada por Biosphere, pouco aparece até os momentos-chave, mas quando surge traz uma atmosfera ambiente que encorpa a tensão de maneira discreta. A montagem de Adam Nielsen é funcional — mas sofre em algumas transições abruptas e cortes que parecem preencher tempo demais ou acelerar onde não deveria.

Como acontece em quase qualquer filme que ele participa, Eddie Redmayne entrega o destaque absoluto. Como Charles Cullen, seu olhar doce esconde uma inquietante ambiguidade: vulnerável, solitário, e perturbador quando necessário. Ele estudou movimentos e voz com afinco, trazendo ao papel uma camada ambígua entre empatia e ameaça — e seu desempenho chega a dar arrepios na cena final de interrogatório. Ele equilibra a imaculada aparência de enfermeiro prestativo com flashes de algo sombriamente calculista.

Jessica Chastain, no papel da enfermeira Amy Loughren, traz firmeza e empatia. Sua atuação é comovente, especialmente nos trechos em que lida com sua condição cardíaca não revelada e ainda toma a coragem de enfrentar Cullen por altruísmo e dever. Mas não chega a roubar completamente a cena de Redmayne, que carrega quase todo o peso dramático.

O grande problema do filme é o roteiro escrito por Krysty Wilson‑Cairns. Embora bem construído dentro da proposta procedural, ele não investe na psique de Cullen — nem explora aspectos de sua vida pessoal, deixando-o em parte como uma versão de Norman Bates da saúde. O espectador tem pouco acesso ao que motivou o serial killer a cometer até centenas de mortes, ou à sua angústia interior. A narrativa se concentra na perspectiva de Amy e dos policiais, reduzindo Cullen a um enigma frio, sem camadas mais humanas ou complexas.

A sensação é de que o roteiro segue fielmente a estrutura do livro e do caso real, mas sem ousar nas escolhas dramáticas. Faltam momentos que pudessem tornar Cullen um personagem multifacetado — como vimos por exemplo em Dahmer, onde o assassino ganha nuances perturbadoras e íntimas. Em vez disso, lineares procedimentos, depoimentos, investigações discretas — simplesmente não há espaço para explorar traumas, família, história anterior do personagem.

Apesar de tratar-se da história de um assassino, o filme não mostra violência explícita. Não há cenas de abuso, tortura, sangue — tudo é sugerido. Esse enfoque pode frustrar quem espera uma elaboração mais crua da realidade. Por outro lado, para aqueles que preferem evitar cenas gráficas, O Enfermeiro da Noite oferece um suspense sem violência explícita, mantendo-se contido no extremo, ainda que por vezes excessivamente distante emocionalmente. Essa escolha narrativa reforça que o longa é para se ver sem pretensão: ele entretém, mas sem impactar — ideal para quem quer apenas passar o tempo.

O ritmo arrastado e a estrutura episódica lembram um episódio longo de Grey’s Anatomy, mas sem o calor humano ou os conflitos pessoais dos personagens. Se o roteiro tivesse se dedicado à vida pessoal de Cullen — seu divórcio, relacionamento com filhas, crises psicológicas — o resultado poderia ser mais envolvente. Mas a narrativa tem escolhas restritivas que priorizam procedimento e investigação. Se houvesse espaço para revelar a humanidade distorcida de Cullen, daí sim poderíamos ter um personagem com complexidade semelhante à representação de Dahmer na série homônima.

No final, O Enfermeiro da Noite se encaixa perfeitamente na fórmula “Netflix de qualidade média”: tecnicamente impecável, visual conservador, atuações de peso, mas sem risco. O tom “bonzinho” se sustenta: o filme não tem os defeitos graves de produções mal feitas, mas também não traz aquela centelha de originalidade ou profundidade. A direção de Lindholm é segura, o elenco cumpre bem o papel — especialmente Redmayne. Mas o roteiro não estende a mão para nos fazer mergulhar no caso, limitando-se a cumpri-lo com eficiência e distanciamento emocional.

O Enfermeiro da Noite é uma produção para assistir sem grandes expectativas: interessante o suficiente para prender numa tarde preguiçosa — mas não para deixar marca. Uma história inquietante de um assassino que passou despercebido por anos poderia ter sido um retrato perturbador e complexo da natureza humana — mas acaba como um suspense leve, quase como um episódio estendido de uma série hospitalar. Se você quer uma representação nua e crua da barbárie, aqui não encontrará — e isso é uma decepção, considerando o potencial sombrio da trama. Mas se deseja ver um filme bem atuado, com clima contido e investigação tensa, ele cumpre bem o propósito.

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