Wallace & Gromit: Avengança, dirigido por Nick Park e Merlin Crossingham, é verdadeiramente uma delícia de se ver — um oásis em meio à avalanche de animações 3D que dominam com personagens quase sempre idênticos e movimentos irreais. A cada frame de massinha que ganha vida, lembramos por que o stop‑motion artesanal tem alma própria, algo que nenhuma renderização digital, por mais cara, consegue imitar.
A Aardman Animations volta firme com sua técnica de claymotion: cada personagem, cada ambiente, cada olhar expressivo — tudo construído e filmado quadro a quadro. A textura da massinha, os sutis detalhes de impressão digital e até a leve oscilação dos móveis conferem uma autenticidade sensorial ausente em produções modernas em CGI. Essa precisão artesanal eleva o filme a um status quase tátil, um contraste refrescante frente ao visual genérico das animações 3D. Filmado em 79 minutos, com ritmo bem calibrado, o longa explode em ritmo, mas sem exagero visual — ainda que alguns críticos tenham notado uma leve arrastada na exposição inicial.
Aqui restaura‑se o espírito original de Wallace & Gromit: uma narrativa engenhosa, construída sobre gags visuais, trocadilhos britânicos irreverentes e referências clássicas — desde Missão: Imposível até Alien e a estrutura de perseguição ferroviária do curta deles, Calças Erradas. A trilha sonora de Lorne Balfe, respeitando os temas de Julian Nott, embala as sequências com leveza e elegância, reforçando o ambiente caprichado que só a Aardman oferece.
Feathers McGraw retorna como um vilão irresistivelmente silencioso. Utilizando manipulação robótica de gnomos e um plano de vingança contra o “Blue Diamond”, o pinguim domina a tela com presença e timing perfeitos — cada aparição sua é instantaneamente memorável.
Wallace constrói o robô Norbot para auxiliar em tarefas domésticas, mas o excesso de eficiência transforma o jardim de Gromit em um conjunto geométrico estéril — uma metáfora visual clara contra a tecnologia que desumaniza. Quando Feathers reprograma Norbot para o lado sombrio, a mensagem fica explícita: a criatividade humana e a afeição não podem ser substituídas por autômatos. É um alerta suave, mas carregado de bom senso e humor.
Com 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, o filme foi saudado como “confortável como queijo com biscoitos” e capaz de reviver o espírito dos primeiros clássicos de Wallace & Gromit. Críticos apontaram que, embora a narrativa inicial fosse um pouco lenta, a partir do momento em que Norbot entra em cena, o filme engrena num ritmo dinâmico e satisfatório.
Fãs dedicados chegam a considerá-lo um dos melhores do ano, se não o melhor filme de Wallace & Gromit já feito, rivalizando diretamente com Calças Erradas.
Em sua temporada de premiações, Wallace & Gromit: Avengança concorria ao Oscar de Melhor Filme de Animação em 2025, entre os indicados: Divertidamente 2, Memórias de um Caracol, Robô Selvagem e Flow — este último vencedor da estatueta, tornando-se o primeiro longa animado da Letônia a ganhar um Oscar.
Embora Flow tenha sido louvado por sua sensibilidade minimalista e por ser uma animação independente, o triunfo é, na prática, uma injustiça para um filme que junta técnica artesanal, humor refinado, narrativa emocional e originalidade. Wallace & Gromit: Avengança é, em todos os aspectos — composição visual, timing cómico, relevância temática e afetividade — infinitamente superior às suas concorrentes. Comparado a Divertidamente 2, que embora seja vibrante e tecnologicamente impressionante, carece do calor humano e da originalidade palpável que a massinha oferece. E em contraste com Memórias de um Caracol ou Robô Selvagem, que apostam em metáforas filosóficas, o longa da Aardman entrega tudo isso em forma de diversão pura e sensorial. Quem venceu talvez tenha encantado alguns jurados, mas, para quem entende de animação como arte, a verdadeira vitória está aqui: em cada frame milimetricamente construído, em cada silêncio expressivo, na química brilhante entre inventor e cão.
Este filme não é apenas um retorno aos primórdios da animação artesanal, mas uma reafirmação de que o cinema pode ser charmoso, humano, divertido e tecnicamente primoroso sem cair na armadilha do digital homogêneo. É um sopro de frescor em meio a uma paisagem saturada por CGI. Trata‑se de uma obra que merece ser celebrada não por nostalgia, mas por sua força própria: é cinema de animação na sua forma mais pura — criativo, artesanal, emocional e absolutamente irresistível.
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