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julho 07, 2025

F1: O Filme (2025)

 


Título original: F1
Direção: Joseph Kosinski
Sinopse: Sonny Hayes, a lenda do automobilismo, é persuadido a deixar a aposentadoria para liderar uma equipe de Fórmula 1 em dificuldades - e ser mentor de um jovem piloto famoso - enquanto busca mais uma oportunidade de glória.


F1: O Filme, dirigido por Joseph Kosinski (Top Gun: Maverick), é um placar técnico digno de nota — para fãs de cinema e de automobilismo. Filmado em nove Grandes Prêmios reais como Silverstone, Spa, Monza, Abu Dhabi e COTA (Austin), o longa evoca uma sensação de presença incomparável — como se estivéssemos nos boxes, nos paddocks, em meio ao ruído dos motores e à vibração dos pneus na pista.

Kosinski e o editor Stephen Mirrione criam uma edição que merece elogios efusivos. Cenas de alta velocidade são intercaladas com tomadas do garimpo tático nos bastidores, criando tensão palpável. A montagem sonora — a assinatura conjunta de Ryan Tudhope e da equipe de som — traz camadas texturais: dos estalos dos amortecedores aos murmúrios da rádio, tudo converge para que o espectador não apenas assista, mas sinta cada curva. Em nenhum outro filme esportivo — e, ouso dizer, nenhum sobre a F1 — a fusão de edição e som chega a esse patamar de realismo.

A trilha original, composta por Hans Zimmer e Steve Mazzaro, é híbrida — sinfônica e eletrônica — como pede o DNA da F1. O uso de instrumentos humanos (guitarras, cordas) contrapõe-se à eletrônica vinda dos monitores digitais das equipes, refletindo essa dualidade homem vs. máquina. Itens como o motivo “gunslinger” de Sonny Hayes funcionam como assinatura emocional. A coletânea extraída de F1 the Album incorpora nomes como Doja Cat, Don Toliver, Ed Sheeran e Tiësto — esse último não só com faixas eletrizantes (“OMG!”, “Drive”) mas com uma participação cameo, validando ainda mais a verossimilhança sonora e cultural. Arranjos envolventes e precisos, alta recepção crítica e sensação de que todos os prêmios técnicos de 2025 ficam curvados diante dessa partitura.

O roteiro de Ehren Kruger, ainda que previsível — a redenção, o mentor veterano, o novato impetuoso — carrega o beneplácito do bom entretenimento clássico de Hollywood. Sabemos desde a largada que Sonny Hayes (Brad Pitt) encontrará redenção e que a equipe APXGP resgatará a esperança. Porém, a força narrativa está no ritmo, nos detalhes humanos dos bastidores, na pressão dos patrocinadores e nas emoções à flor da pele. Aqui, o clichê deixa de ser falho e se torna funcional — o espectador aceita o roteiro em nome do espetáculo, e não se importa de seguir o jogo bem delineado.

Para os aficionados por Fórmula 1, o filme entrega detalhes técnicos (pitstops, pressões de pneus, estratégias de corrida) mas acelera nas explicações, tornando-se por vezes superficial. Já os novatos encontrarão uma propaganda vibrante da modalidade, com noções suficientes para emergir no universo da F1 — um acerto como vitrine. A presença massiva dos patrocinadores, o branding vestido em cada pista, em cada capacete, em cada bandeira, faz do filme um comercial glamouroso — embora muitas vezes invasivo.

O longa incluiu com inteligência a participação dos maiores nomes da atualidade: Lewis Hamilton, Max Verstappen, Fernando Alonso, entre outros. A cena em que o público improvisa gritos nos cinemas — foi registrado no COTA e em exibições (inclusive na minha!) — cria uma ponte entre o universo fictício da história e a realidade das arquibancadas. Hamilton também figura como coprodutor: sua influência é sentida na autenticidade dos boxes e na relação hierárquica entre chefes, engenheiros, mecânicos e pilotos.

Raramente um filme sobre Fórmula 1 se arriscou tanto em expor a pressão humana por trás da fachada de glória. Aqui, a elite esportiva é mostrada em suas fragilidades: o medo de errar, o peso das expectativas, a crônica da falha permanente — até para aqueles que têm tudo. É um retrato fascinante da elite impiedosa, vulnerável e, paradoxalmente, comum.

Com 2h36min, o filme se alonga mais que uma temporada média da F1 — especialmente em trechos de estratégia, reuniões de boxes longas e interlúdios promocionais. Um corte de meia hora não sacrificaria conteúdo, deixando o resultado 100% eficaz e ainda mais ágil.

Brad Pitt volta ao arquétipo do herói carismático, como Carson Dawes em Era Uma Vez em Hollywood, porém menos irônico e mais intenso. Ele incorpora Sonny Hayes com carisma, vulnerabilidade e credibilidade — não é o topo da atuação, mas seu carisma sustenta o filme. Damson Idris interpreta Joshua Pearce, o novato ambicioso, com energia juvenil. Caricatural em certos momentos — o típico rookie impulsivo — funciona como contraponto para a sabedoria “gasta” de Hayes.

Javier Bardem é um espetáculo à parte. Seu Ruben Cervantes é eloquente, vulnerável no discurso estratégico, enfim, mais polido no tom dramático, ainda que um tanto raso em construção. A diretora técnica Kerry Condon desempenha uma performance sólida no papel da engenheira de equipe e interesse romântico — fluida, precisa, conduz o equilíbrio entre cena íntima e clima de tensão.

O elenco de apoio — Tobias Menzies, Kim Bodnia, Sarah Niles — reforça a estrutura sem errar o tom, sempre nos caixas laterais de câmera, mas sempre presentes quando a narrativa exige o contraponto humano.

O supervisor de efeitos visuais Ryan Tudhope, com o estúdio Framestore (de Londres e Mumbai), entregou um feito técnico notável. As sequências de corrida, com imagens captadas em IMAX e câmeras onboard reais a mais de 290 km/h, mesclam-se com CGI de alta fidelidade: você não sabe onde termina a pista real e começa o digital. O design dos carros da APXGP, inspirado em Santiago Calatrava, eleva a estética automotiva do filme. Em conjunto com a edição espiralada e a sonoplastia cirúrgica, isso tudo converge num entretenimento completo para qualquer plateia — mesmo leiga aos termos técnicos — e, ainda assim, magnético e cinematográfico.

F1: O Filme é um grande espetáculo técnico, um cinema imersivo que faz o coração de quem gosta de velocidade bater mais forte. Por outro lado, é também uma propaganda caramelizada da F1 moderna — patrocinadores por todos os lados, estética glamourosa, heróis redentores. Mas, na soma, o filme entrega exatamente o que promete: imersão total, narrativa clássica e emoção constante. Um pouco mais enxuto e menos rotary entre cenas de boxes, teria pleno potencial de 5 estrelas.

Ainda assim, é um marco para o cinema esportivo — e para qualidade técnica de um gênero historicamente subestimado. Os fãs vão observar as minúcias, os novatos vão enxergar adrenalina pura, e todo mundo vai sentir o peso dos motores e o frescor das emoções reais. Um retrato de elite, humano e espetacular, que merece lugar no pódio.

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