Vingança no Deserto (Run!, 2024), de Bill Brennenstuhl e Paul Stenerson, chega com a premissa prometida nas sinopses: um casal, durante a renovação de votos em uma cidade do deserto, se vê enredado num jogo mortal de amor e vingança cujo operador observa tudo por meio de um drone. A ideia, simples e potencialmente eficiente para um suspense, é minimizada desde os primeiros minutos por uma direção que oscila entre a pequenez e a dourada pretensão. A concepção de ambiente — o calor escaldante do deserto, o céu cortante, a vastidão que deveria ser personagem — é, em tese, o terreno ideal para um thriller de sobrevivência; na prática, o filme parece insistir em adjetivações estéticas que não se transformam em tensão orgânica.
O problema central de Vingança no Deserto é estrutural, e deriva de escolhas que se apresentam mais como artifícios do que como soluções dramáticas. O roteiro tenta costurar uma série de microsustos e reviravoltas ligadas a perseguições — um mascarado, um atirador, um caminhoneiro ameaçador — e a presença quase onipresente de um drone que vigia a ação. Mas essas peças nunca se encaixam numa engrenagem convincente: faltam motivos sólidos para a escalada do jogo, falta empatia e, sobretudo, falta um pulso autoral que ordene as partes soltas. A impressão, em vários momentos, é a de que se assiste a um exercício de estilo fragmentado; uma ideia que poderia ser tautológica torna-se dispersa e, por vezes, infantil na sua construção.
Não é exagero dizer que Vingança no Deserto às vezes parece um filme mal feito de ensino médio. A frase soa dura, mas existe aqui uma combinação de orçamento enxuto, escolhas de encenação convencionais e interpretações que raramente convencem — resultado que coloca o espectador numa posição de distância irônica em relação ao material. A direção, que poderia ter se apoiado na precisão do mínimo — enquadramentos mais contidos, montagem que privilegiasse a progressão em vez da colagem — prefere efeitos narrativos mais barulhentos e pouco polidos. Essa opção transforma momentos que poderiam ter alguma solenidade dramática em pequenos dramas de cartolina.
A fotografia merece menção porque tenta, sem lograr sucesso, imprimir identidade ao filme. Em vez de coesão, vemos uma fotografia estranhíssima — saturações estranhas, contrastes que ora esforçam-se para serem hiperbólicos, ora parecem acidentes de iluminação. Não há força lírica na escolha cromática; há desconforto. A edição, por sua vez, contribui para a confusão: cortes abruptos, passes temporais mal sinalizados e uma montagem não ritmada que impede o surgimento de uma escalada de suspense orgânica. Em certos trechos o filme se coloca como se fosse um Jogos Mortais, só que bem ruim, misturado com um ar de Tarantino; a intenção de fragmentar e surpreender acaba soando, no entanto, como imitação pouco crítica de referências reconhecíveis — e a comparação com obras maiores só ressalta a pobreza dos resultados.
A trilha sonora, que poderia ter sido um aliado — por exemplo, contrapondo o silêncio do deserto a texturas sonoras incômodas — atua, com frequência, como elemento intrusivo. Dá para afirmar sem rodeios que há uma trilha que polui os ouvidos: mixagens que colocam música em primeiro plano quando o filme precisa de silêncio, efeitos sonoros exagerados que buscam chocar em vez de compor, e escolhas temáticas que muitas vezes soam deslocadas em relação ao que está em cena. Em vez de sustentar atmosferas, a música parece frequentemente mascarar a incapacidade da cena de falar por si mesma.
Sobre as atuações: são, em sua maioria, dramáticas demais quando deveriam ser sutis, e excessivamente contidas quando a cena pede entrega física. Há momentos de histrionismo gratuito, olhares que tentam “dizer” emoção sem trabalho interpretativo por trás, e passagens em que a falta de química entre os atores deixa diálogos mecânicos. Em suma: atuações horrendas — não apenas falhas pontuais, mas um conjunto que fragiliza qualquer tentativa de envolvimento emocional do público.
Tecnicamente, há acertos pontuais — a paisagem do deserto ainda funciona como cenário, alguns planos abertos são esteticamente agradáveis e a ideia de um antagonista que joga com tecnologia (o drone) tem potencial simbólico interessante. No entanto, esses lampejos não compensam a sensação de amadorismo em áreas cruciais: direção de atores, ritmo dramático e construção de cenas de suspense. A tentativa de fundir subgêneros — slasher, suspense rural, pastiche neo-exploracionista — desemboca numa espécie de colagem inconsistente.
No fim das contas, Vingança no Deserto é um filme que promete agressividade e tensão, mas entrega dispersão e ruído. Há uma aspiração de ser brutal e inteligente, mas o caminho escolhido — imitações mal costuradas, trilha invasiva, montagem que não ajuda a narrativa — transforma a experiência em algo mais próximo do constrangedor do que do perturbador. Para quem busca um filme que trabalhe o deserto como território de uma prova moral e física, a frustração provável será grande. Para quem aceita pequenas doses de diversão involuntária, talvez haja entretenimento — mas não era esse o objetivo que o material parecia apontar desde a sua premissa.
Fecho com um pensamento incisivo: há sempre um espaço no cinema para filmes de baixo orçamento e para tentativas ousadas, mas ousadia sem clareza de propósito vira ruído. Vingança no Deserto prefere gritar citações estilísticas a construir um universo próprio; o resultado é um filme que, na ânsia de impressionar, acaba por revelar suas costuras — e a costura, quando aparece demais, não deixa o tecido do filme segurar. Se o deserto é metáfora de prova, aqui ele apenas reflete a aridez das intenções.
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