Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria chega como um desses filmes que prometem mexer com o espectador pela intensidade visceral de sua narrativa e pela maneira como escolhe focar quase exclusivamente em uma só personagem e seu colapso emocional. A cineasta Mary Bronstein constrói aqui uma experiência cinematográfica que valoriza sentimentos brutos e situações cotidianas extremadas até o limite, mas essa decisão acaba sendo ao mesmo tempo sua maior virtude e sua maior falha. A trama acompanha Linda, uma mãe e terapeuta cujo mundo desaba — literalmente e figurativamente — enquanto tenta cuidar de sua filha gravemente doente, lidar com um casamento desgastado e manter alguma sanidade em meio ao caos que toma conta de sua vida.
Rose Byrne encarna Linda com uma entrega impressionante, trazendo uma mistura de exaustão, raiva e vulnerabilidade que nunca permite que o público relaxe. A atuação dela é, sem dúvida, o coração pulsante do filme, um ponto de luz em uma narrativa que não facilita nem ao menos um momento de alívio emocional confortável. A câmera frequentemente se aproxima demais de seu rosto, como se quisesse registrar cada sensação física de nervosismo, suor e frustração, aproximando também o público de um estado quase claustrofóbico. Essa escolha estética costuma funcionar ao consciencializar a plateia sobre o desespero interno de Linda, mas ao mesmo tempo pode se tornar cansativa, pois a intensidade constante tira a possibilidade de nuances mais sutis.
A forma como Bronstein usa o espaço físico para refletir o colapso emocional da protagonista é um elemento que merece destaque. O filme começa com o teto do apartamento de Linda desabando, um choque literal que simboliza tudo o que está por vir. O quarto de motel onde ela se refugia torna-se uma espécie de prisão com sua iluminação dura e paredes sem personalidade, um lugar que parece agravar sua angústia em vez de oferecer descanso. A montagem acompanha esse ritmo acelerado de infortúnios e pequenas tragédias, compondo sequências que mais parecem ataques de ansiedade do que cenas convencionais de narrativa tradicional.
Apesar dessa construção potente, o roteiro mantém certa ambiguidade prejudicial em torno das motivações e complexidades internas da personagem. A escolha de não mostrar o rosto da filha até praticamente o final reforça a ideia de que a história é menos sobre uma doença específica e mais sobre o peso simbólico da maternidade e da responsabilidade inescapável, mas isso também deixa o público sem um ponto emocional concreto para ancorar suas reações. Em vez de mergulhar em nuances, Bronstein parece se satisfazer em empilhar problemas como se cada novo revés carregasse o mesmo peso dramático, e essa repetição acaba diminuindo o impacto de conflitos que poderiam ser mais explorados em profundidade.
No elenco há surpresas curiosas, como a presença de Conan O’Brien em um papel dramático como o terapeuta de Linda, trazendo uma mistura de estranheza e afastamento que sublinha a incapacidade dele de oferecer suporte real. A interação entre Byrne e O’Brien é uma das poucas janelas em que o filme parece respirar um pouco, colocando em cena momentos de frustração que muitas vezes resultam em humor negro involuntário enquanto expõem a incapacidade de comunicação entre adultos que deveriam oferecer apoio mútuo. Já o personagem de A$AP Rocky surge como um contraponto inesperado, uma espécie de presença externa que poderia significar esperança ou apenas mais uma obrigação emocional, e embora haja momentos em que isso funcione, muitas vezes essas cenas se arrastam sem aprofundar verdadeiramente o arco.
Tecnicamente, a trilha sonora e o design de som têm um papel importante ao intensificar a experiência sensorial. Ritmos repetitivos, ruídos incômodos e silêncios desconfortáveis trabalham juntos para manter o público em um estado de alerta nervoso, refletindo o estado mental de Linda de forma eficaz. Essa escolha sonora, assim como o uso insistente de closes e enquadramentos apertados, cria um ritmo que parece hesitar entre uma comédia dramática e um thriller psicológico, mas nem sempre consegue equilibrar esses tons de maneira satisfatória.
No conjunto, Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria é um filme que se destaca pela coragem de explorar temas difíceis sem oferecer atalhos reconfortantes. A intenção de trazer à tona o peso da maternidade, a frustração com sistemas falhos e a luta interna de uma mulher em colapso é admirável e rende momentos de verdadeira intensidade dramática. No entanto, a maneira como essa jornada é construída — com uma acumulação de eventos e sensações que parecem competir por atenção — pode deixar muitos espectadores mais exaustos do que envolvidos emocionalmente. A performance de Rose Byrne se sobressai sem dúvida, mas o filme ao redor dela nem sempre encontra o equilíbrio certo entre provocação e conexão humana, resultando em uma obra que impressiona mais pelo esforço e pela ambição do que pela eficácia geral.
Se você procura uma experiência cinematográfica que vai além do entretenimento fácil e não teme confrontar desconforto e confusão, esta obra pode ser interessante. Mas é preciso estar preparado para momentos que se estendem sem oferecer alívio e para um passeio cinematográfico que mais provoca e desafia do que comove com graça ou insight profundo.
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