Assistir a Lumière! A Aventura Continua é como abrir um portal para um tempo em que o cinema estava nascendo mas já carregava em si todo o potencial de uma forma de arte que jamais deixaria de nos encantar. O filme de Thierry Frémaux não joga mão de efeitos especiais nem de narrativas complexas, ele simplesmente devolve à tela aquilo que ela sempre foi: imagens em movimento que contam, sem artifícios modernos, a vida tal como ela era e como ainda reverbera em nós. O que Frémaux reúne aqui não é ficção, e nem um ensaio teórico chato, é uma experiência visceral com o que há de mais puro no cinema.
Ao longo de mais de cem ‘vues’, curtas filmados pelos irmãos Lumière e seus operadores no fim do século XIX e começo do XX, somos transportados para ruas cheias de vida, estações de trem cheias de pressa, cafés onde parisienses caminham sem pressa e cenas familiares que parecem capturar a própria essência da humanidade. A montagem desses fragmentos restaurados com cuidado quase amoroso por Frémaux é acompanhada por sua narração suave, que nunca se impõe. Ela nos guia com uma intimidade quase de convívio entre amigos, explicando contextos e deixando espaço para que cada imagem ressoe por si só.
Uma das grandes belezas do filme está na sua simplicidade. Não há grandiosos discursos sobre teoria cinematográfica nem análises que façam o espectador se sentir excluído por não dominar jargões técnicos. Ao contrário, o filme nos lembra que o cinema começou como uma janela para o mundo. Em poucos segundos é possível ver crianças brincando, trabalhadores saindo de fábricas, mares e estradas, a vida acontecendo em suas sutilezas. E tudo isso soa hoje não como curioso, mas profundamente comovente, porque percebemos ali elementos eternos da experiência humana.
A trilha sonora escolhida – uma seleção de peças de Gabriel Fauré, compositor contemporâneo da época em que os filmes foram rodados – dá ao conjunto uma textura sensorial que complementa a imagem sem jamais dominá-la. Essa música, às vezes melancólica, às vezes cheia de leveza, faz com que a cada corte de cena o espectador sinta que está participando de uma memória coletiva, e não apenas consumindo um registro histórico.
Frémaux não se limita a uma sequência cronológica previsível, ele agrupa essas imagens por temas e sensações, permitindo que o público faça conexões entre cenas aparentemente simples e a narrativa maior da evolução do cinema. Ao ver um trem chegando à estação ou um grupo de pessoas atravessando uma rua, sentimos que a linguagem cinematográfica já estava ali, em cada enquadramento, em cada gesto capturado pela lente primitiva da câmera. A magia do movimento estava presente desde o início, e Frémaux nos mostra isso sem didatismo, mas com a sensibilidade de quem ama profundamente esse meio de expressão.
Esse segundo volume, como ele mesmo já explicou em entrevistas, é uma continuação orgânica do primeiro trabalho homônimo lançado em 2016. Aqui, ao invés de se apoiar unicamente na nostalgia, Frémaux nos convida a refletir sobre o que essas imagens significam para nós hoje. Muitos desses momentos são tão autênticos e espontâneos que nos fazem reconhecer ali traços da vida contemporânea. Há humor em gestos casuais, poesia na rotina e uma verdade crua que transcende a distância temporal de mais de um século.
O filme ainda funciona como uma aula de história do cinema sem que jamais pareça uma. Ele não pesa na mão com datas ou nomes difíceis, ele simplesmente coloca diante de nós aquilo que os irmãos Lumière captaram com a sua câmera, lembrando que o cinema nasceu de um desejo simples: mostrar o mundo. É por isso que Lumière! A Aventura Continua não é apenas um documentário para cinéfilos ou historiadores. É uma obra que pode tocar qualquer pessoa que já tenha sentido o arrepio de ver uma história ganhar vida na tela.
No final, quando as imagens cessam e a tela fica escura, a sensação que fica é de ter terminado uma conversa íntima com o tempo. O que parecia distante e esquecido retorna com uma clareza impressionante e nos lembra que, desde o primeiro clique da câmera dos Lumière até os filmes mais ousados de hoje, o cinema sempre foi um espelho de quem somos. A aventura não apenas continua, ela nos alcança e nos transforma.
.webp)