Não há nada de positivo em Hereditário. Não há. O filme de Ari Aster se vende como uma grande obra de terror psicológico, mas, ao fim, tudo o que restou para mim foi tédio mal disfarçado e uma sensação de déjà-vu de todas as tentativas cinematográficas recentes de transformar mitologia sobrenatural em grande teatro familiar. O roteiro se esconde atrás de artifícios — culto, invocação demoníaca, rituais — como se jogar ingredientes clássicos do gênero numa tigela já bastasse para produzir medo verdadeiro. Aster escolhe o caminho óbvio: encenar o sobrenatural como destino inexorável e, com isso, perder qualquer interesse em verdade emocional ou coerência interna.
Mais uma vez um filme de terror com coisas sobrenaturais, isso me cansa. Como não acredito em nada dessas coisas, passei o filme todo dando risada. Essa é a honestidade necessária: se a base do seu medo é uma mitologia que você já considera pueril, todo o aparato visual e sonoro vira apenas espetáculo vazio. Hereditário depende de sustos tectônicos — gritos, cortes bruscos, composição de quadro que quer impressionar — mas não constrói uma escada dramática que justifique o clímax. A estética é meticulosa — a casa como diorama, os enquadramentos que lembram uma casa de bonecas — mas isso vira decoração sobrecozida quando não há uma sustentação íntima que faça essas escolhas terem peso narrativo real.
A montagem e a trilha sonora servem mais como muletas do que como ferramentas expressivas. Jennifer Lame (edição) e Colin Stetson (música) são nomes que, isoladamente, poderiam somar sensações incômodas; aqui, contudo, a montagem arrasta e a música tenta preencher lacunas narrativas, dispensando a construção de tensão orgânica — tudo muito performático, pouco consequente. O filme se proclama sobre “herança” e trauma familiar, mas trata essas ideias como pretexto para conduzir o roteiro na direção do folclore ocultista, sacrificando psicologia por espetáculo.
A atuação de Toni Collette recebe elogios por parte da crítica mainstream, e há quem defenda Hereditário como um novo clássico contemporâneo; não sou desse time. Para mim, o tom geral do filme é histriônico: personagens que sobem e descem num registro emocional pensado mais para o close-up sensacionalista do que para a verdade de uma família arruinada. As reviravoltas finais — que giram em torno da figura de Paimon e da lógica do culto — parecem mais uma solução de roteiro pronta do que a conclusão necessária de uma narrativa bem traçada. Se a intenção era mesclar luto e possessão, falha: o luto vira apenas cenário para o demônio, e a possessão, por sua vez, vira justificativa para golpes fáceis de choque.
A única coisa que causa terror é a feiura colossal da atriz que interpreta Charlie (Milly Shapiro). É horrenda. No início até achei que fosse maquiagem, mas quando pesquisei e vi que realmente a menina era assim na vida real, fiquei realmente enojado de ter que vê-la e bem feliz por ela ter morrido cedo no filme. Além de feia, a personagem é terrivelmente insuportável. Essa ideia é deliberada e calculada pelo filme: transformar uma criança estranha numa chave para o desconforto do espectador. Mas a escolha não é artística, é provocação barata. Atacar a aparência de um ator não costuma ser produtivo numa análise técnica, mas no caso específico — em que o filme aposta no desconforto físico e na repulsa visual como atalho para o horror — não há como não denunciar a perversidade dessa aposta.
Tecnicamente, há competência: a direção de fotografia busca composições que prendem o olhar, a construção de produção investe na ambientação opressiva e a atuação em cenas isoladas (alguns momentos de Toni Collette, por exemplo) chegam a cortar pela intensidade. Mas tudo isso é usado para mascarar uma pobreza de ideias: quando a técnica funciona apenas para chocar e não para aprofundar, perde o propósito. A crítica que reverenciou o filme por vezes confundiu brutalidade com profundidade; há distância entre causar náusea e provocar reflexão. Hereditário escolhe a náusea e chama de arte.
No desfecho, Ari Aster opta por fechar as pontas com a liturgia do ocultismo — um final que alguns interpretam como “feliz” para o culto interno da história, mas que para mim é apenas a consagração de um filme que prefere fechar seu universo num círculo de conveniências mitológicas do que explicar ou dialogar com o humano que prometeu investigar. Dizer que o filme é “sobre herança” soa mais como slogan publicitário do que insight narrativo. Em suma: Hereditário é uma peça de cenografia sombria que se acha profunda por ter imagens perturbadoras; eu, ao menos, vi aí uma conjunção de artifício e mau gosto que não merece empatia nem defesa. Não há um ponto positivo — insisto — e a sensação final é de perda de tempo e de paciência com o modelo atual do cinema de terror que confunde choque com significado.
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