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novembro 13, 2025

Corra Que a Polícia Vem Aí! (2025)

 


Título original: The Naked Gun
Direção: Akiva Schaffer
Sinopse: Apenas um homem tem as habilidades necessárias para liderar o Esquadrão Policial e salvar o mundo.


Corra que a Polícia Vem Aí!, o reboot dirigido por Akiva Schaffer que tenta ressuscitar a fórmula absurda e hit-or-miss inaugurada pelo filme homônimo original e pelos ZAZ (Zucker-Abrahams-Zucker), chega com um pé na nostalgia e outro escorregando nas novas dinâmicas do humor contemporâneo. O projeto — que coloca Liam Neeson no papel-título, agora reinterpretado como Frank Drebin Jr. — é uma operação de cura estética: recria cenários, cortes e piadas visuais dos filmes clássicos enquanto tenta calibrar o tom para uma plateia que já viu de tudo. A premissa é simples e até correta para o que se propõe: abraçar o nonsense e aceitar que a coerência narrativa sempre será subserviente à gags. Ainda assim, o filme sofre de um problema básico que mina a eficácia de qualquer comédia física ou de absurdo: a irregularidade do riso. 

Akiva Schaffer, vindo de uma linha de comédia mais moderna, trabalha com uma mise-en-scène limpa, enquadramentos que respeitam o timing visual e montagem rápida para que piadas curtas tenham espaço para respirar. A direção de arte faz um serviço admirável ao replicar a paleta pastel-irônica dos filmes dos anos 80/90 — cenários de delegacia, outdoors com trocadilhos e uma Los Angeles caricata — e a cinematografia aposta em planos médios estáveis, que permitem gestos físicos se destacarem. A edição, por sua vez, é ambivalente: em vários momentos ela potencializa o gag com um corte certeiro; em outros, tenta esticar uma ideia além do necessário, transformando aquilo que deveria ser uma tirada num esforço constrangedor. Isso cria um ritmo de suspensão — a plateia ri de vez em quando, mas muitas das tentativas passam como “quase” — momentos que quase funcionam. 

No roteiro, assinado por Dan Gregor e Doug Mand com contribuição do próprio Schaffer, há um esforço evidente de homenagear os tropos originais: a falsa seriedade do herói, a série de mal-entendidos, os diálogos deliberadamente óbvios e as piadas visuais que dependem de execução cirúrgica. Algumas inserções modernas — comentários meta sobre cultura pop, referências a true crime e toques de autoconsciência — até funcionam, mas muitas vezes soam como tentativa de atualizar um idioma cômico que nasceu em outro tempo. A consequência é que o filme é, em sua essência, assistível; no entanto, é pouquíssimo engraçado, com exceção de algumas tiradinhas aqui ou ali que arrancam sorriso mais pelo reconhecimento do molde do que pela invenção da piada. 

Passando ao elenco: Pamela Anderson, em papel que remete às femme fatales dos originais, tem presença cênica e usa a própria persona pública como material de comédia — algo que se alinha bem ao tom do longa. Já Liam Neeson é, inevitavelmente, o ponto de polarização. Há cenas em que a seriedade quase documental que ele carrega cria um contraste engraçado com o ridículo ao redor — a ideia do ator de ação encarando escorregões físicos ou situações absurdas é, na teoria, produtiva. Na prática, porém, fica claro que Neeson simplesmente não tem o timing de comédia refinado que Leslie Nielsen tinha: faltam microgestos, flutuações faciais e aquela cara séria que transformava uma entrega rígida em ouro cômico. Liam Neeson definitivamente não tem o timing para comédia, ainda mais quando levamos em consideração que ele está fazendo o papel do mestre Leslie Nielsen, que era impecável em suas interpretações de comédias absurdas desse tipo. A interpretação de Neeson funciona em pedaços — sobretudo quando o roteiro lhe dá situações que permitem interpretação dramática da bobice — mas fica aquém da necessidade do filme de provocar gargalhadas constantes. 

Tecnicamente, o som e a trilha sonora merecem menção: o design sonoro aposta em efeitos cartunescos amplificados, quase como se cada queda, cada objeto arremessado, viesse com um FX extra para sublinhar a piada. A trilha usa citações melódicas e momentos de pastiche para reforçar a sensação de estar revendo um clássico revisitado. Em alguns trechos, a sonoplastia eleva simples gags a momentos quase físicos de riso; em outros, exagera e sufoca a comicidade, transformando sutileza em histeria. A direção de figurino e maquiagem se dá bem ao brincar com ícones de gênero — desde ternos envelhecidos até exageros que lembram diretamente o cinema paródico — o que ajuda a construir um universo que, mesmo previsível, é visualmente coerente.

O problema maior, e a crítica que não posso evitar: rir por reconhecimento não é o mesmo que achar algo engraçado por mérito próprio. O filme está cheio de easter eggs e pisca-piscas para fãs —  referências a Apertem os Cintos o Piloto Sumiu! e a série Police Squad!, e até brincadeiras com polêmicas passadas do gênero — o que pode gerar uma curva de prazer para quem consome nostalgia. Mas quando a mecânica principal do humor depende apenas de “isso lembra aquilo”, o resultado tende a ser raso. Há, sim, cenas que funcionam — sequências de perseguição com trocadilhos visuais, uma montagem de gags em cadeia bem construída e algumas falas cortantes que surpreendem pela concisão — e o filme é, repito, assistível. Contudo, para um longa que se apresenta como comédia de impacto, é decepcionante constatar que a maior parte do material provoca mais sorrisos discretos do que gargalhadas verdadeiras. 

Em termos de curiosidade de produção, a escolha de Schaffer demonstra uma leitura contemporânea do gênero: ele tenta preservar o espírito seminal dos ZAZ ao mesmo tempo em que injeta um verniz de cinefilia pop atual. Há boas intenções de subversão e algumas sequências que mostram talento para a direção de comédia física; o problema é a consistência tonal. A cada momento de alto potencial cômico, o filme hesita entre abraçar o absurdo sem vergonha ou contê-lo com uma autoconsciência que, paradoxalmente, reduz o riso. Isso deixa a impressão de que estamos diante de um filme dividido entre homenagear e justificar sua própria existência.

 Ainda assim, quem busca um cinema leve, que pouco exige da inteligência e se permite rir por costume, pode encontrar nele algum entretenimento. Para quem espera o trovão de riso que os originais prometiam, sobrará a sensação de que este reboot preferiu ser uma lembrança educada do que uma nova máquina de risos — e numa comédia cujo motor é a exatidão do tempo, isso é, por si só, uma piada ruim.