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agosto 20, 2025

A Hora do Mal (2025)

 


Título original: Weapons
Direção: Zach Cregger
Sinopse: Quando todas as crianças de uma mesma classe - exceto uma – somem misteriosamente na mesma noite e exatamente ao mesmo tempo, todos da cidade começam a se questionar quem ou o que está por trás deste estranho desaparecimento.


Zach Cregger retorna ao cinema depois do estrondoso sucesso de Noites Brutais (2022) com A Hora do Mal (Weapons, 2025), e o faz de maneira ousada, ainda que irregular, num projeto que custou cerca de 38 milhões de dólares e reúne um elenco robusto, liderado por Josh Brolin, Julia Garner, Alden Ehrenreich e Austin Abrams. O filme chega ao público embalado pela promessa de ser o grande terror do ano, mas logo nos primeiros minutos percebemos que não se trata exatamente disso. Não estamos diante de um terror puro, repleto de sustos e criaturas sombrias; o que se revela na tela é um suspense sombrio, meticuloso, que prefere explorar tensões psicológicas, silêncios incômodos e a banalidade do cotidiano em pequenas cidades americanas. Cregger, que também assina o roteiro e participa da trilha sonora ao lado dos irmãos Ryan e Hays Holladay, opta por um formato que privilegia o acúmulo de estranheza até explodir em um terceiro ato devastador.

A fotografia de Larkin Seiple, conhecido por seus trabalhos em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Um Cadáver Para Sobreviver, contribui para a atmosfera gélida de Maybrook, cidade fictícia onde a trama se passa. As cores frias e os enquadramentos meticulosamente compostos tornam os subúrbios americanos uma espécie de território fantasmagórico, uma prisão luminosa em que o ordinário se transforma em ameaça. A câmera é paciente, observa cada detalhe da vida dos personagens, mas justamente por isso se arrasta em excesso. Esse é talvez o maior problema do filme: a narrativa parece testar a paciência do público em sua primeira hora, insistindo em apresentar histórias paralelas que demoram demais a encontrar conexão.

A escolha de dividir a obra em blocos narrativos, quase capítulos independentes, ecoa a tradição de Quentin Tarantino ou até mesmo de Paul Thomas Anderson em Magnólia. Cada personagem tem sua trajetória apresentada com tempo, espaço e profundidade, o que em tese poderia criar um mosaico fascinante sobre uma comunidade inteira à beira do colapso. Contudo, o recurso já não soa inovador e, pela extensão das sequências, perde parte da força. Há um certo excesso em prolongar cada arco individual, e em alguns momentos o espectador se vê entediado, à espera de que algo mais incisivo aconteça. É um filme que, paradoxalmente, prende pelo incômodo e irrita pela morosidade.

Mas é justamente essa construção lenta que pavimenta o caminho para um desfecho de tirar o fôlego. Se os dois primeiros terços da projeção podem ser descritos como um teste de resistência, o clímax vem como uma explosão incontrolável que sacode a plateia. O último ato é puro impacto cinematográfico: cenas que beiram o absurdo, violência estilizada e momentos que provocam riso nervoso diante do ridículo e, ao mesmo tempo, arrepio pelo horror do que está em tela. A habilidade de Cregger em manipular emoções conflitantes é notável; há instantes em que não sabemos se rimos de nervoso ou se desviamos o olhar pela brutalidade. É esse choque entre o grotesco e o engraçado, entre o surreal e o aterrorizante, que confere ao filme uma identidade singular.

A classificação etária de 18 anos, no entanto, parece mais ligada ao peso psicológico e ao teor das imagens do que a um terror explícito. Não há um banho de sangue prolongado ou sustos fáceis que justifiquem a restrição; o que existe é uma atmosfera sufocante, acompanhada por momentos de violência repentina que chocam mais pela maneira como são inseridos na narrativa do que pela quantidade. É um filme que incomoda pelo que sugere e pela maneira como apresenta a fragilidade humana diante de situações absurdas.

As atuações são consistentes e funcionam como o eixo de sustentação dessa trama fragmentada. Josh Brolin (Archer), em mais uma performance sólida, encarna a figura de um homem atormentado que carrega a cidade às costas. Julia Garner (Justine) entrega uma personagem enigmática, de presença magnética, enquanto Alden Ehrenreich (Paul) surpreende ao conferir humanidade a um papel que poderia facilmente resvalar no estereótipo. Austin Abrams (James), por sua vez, representa a juventude perdida em meio ao caos, ampliando o leque de perspectivas que o filme se propõe a mostrar. Nenhum deles rouba a cena de forma isolada, mas o conjunto funciona como um coral de vozes distintas que compõem a atmosfera opressiva de Maybrook.

Do ponto de vista técnico, a montagem merece destaque por sua capacidade de amarrar linhas narrativas aparentemente desconexas. Mesmo que o ritmo seja questionável, a costura final revela um desenho coeso, em que cada personagem contribui para o grande mosaico que culmina no desfecho. A trilha musical, minimalista e sombria, reforça a sensação de inquietude e ajuda a sustentar as longas pausas dramáticas que pontuam o filme.

O maior mérito de A Hora do Mal é justamente provocar sentimentos contraditórios. É um filme que entedia e fascina, que arrasta e surpreende, que provoca riso e medo ao mesmo tempo. Custou-me encontrar a medida certa para avaliá-lo, e isso é sinal de que a obra não se esgota facilmente. Ela se mantém viva na memória, gera discussão, incomoda e instiga. É uma experiência cinematográfica imperfeita, mas profundamente marcante. Zach Cregger, ainda que tropece no excesso de confiança e no ritmo desigual, demonstra coragem ao criar uma obra que se arrisca a ser detestada por uns e reverenciada por outros.

No fim das contas, A Hora do Mal é um filme que acorda quem estava sonolento na poltrona, sacode o espectador no momento em que menos se espera e deixa uma sensação difícil de traduzir em palavras. Não é terror no sentido convencional, mas é um suspense que mexe com os nervos, com a percepção e com as fronteiras entre o ridículo e o assustador. Um filme bipolar, mas justamente por isso instigante, que faz pensar — e pensar é sempre o melhor efeito que o cinema pode causar.

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