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junho 21, 2025

Extermínio: A Evolução (2025)

 


Título original: 28 Years Later
Direção: Danny Boyle
Sinopse: Já se passaram quase três décadas desde que o vírus da raiva escapou de um laboratório de armas biológicas. Agora, sob uma quarentena rigidamente imposta, alguns conseguiram encontrar maneiras de sobreviver em meio aos infectados. Um desses grupos vive em uma pequena ilha, ligada ao continente por uma única passagem fortemente protegida. Quando um dos membros parte em uma missão rumo ao sombrio coração do continente, ele descobre segredos, maravilhas e horrores que transformaram não apenas os infectados, mas também outros sobreviventes.

Danny Boyle e Alex Garland retornam ao universo da infecção com ambição: um novo capítulo 28 anos após o surto original, ambientado em um Reino Unido devastado por variantes do vírus da raiva e marcado por uma paisagem sociopolítica pós-Brexit e pós-Covid 19. A premissa talvez oportuna -explorar a resiliência humana em tempos pandêmicos - soaria ainda relevante se não fosse por um roteiro que vacila entre o drama familiar, rampante intercalado com terror, zumbis inteligentes, cenas bizarras, e uma urgência temática que nunca despega.


Há, ao menos, um elemento técnico que brilha: a montagem de Jon Harris, indicada como videoclipesca, envolve o público com cortes rápidos, sequências frenéticas e contrastes visuais entre violência e silêncio contemplativo . Isso confere ritmo visual e identidade estética, um tributo moderno à original, quase como se cada cena estivesse dançando em câmera acelerada. Incontestavelmente, esse é um dos aspectos mais impactantes da produção, capturando atenção e provocando tensão… embora não remova a sensação de coisa avulsa.


A opção de filmar com múltiplos iPhones 15 Pro Max acomodados em lentes adaptadas pretende captar o caos com uma textura digital crua, remete à lógica da mobilidade comunicada pelo celular e ressignifica a estética pobre do original - agora mais ampla e moderna. Ainda assim, a escolha parece mais cenográfica do que verdadeiramente narrativamente integrada, sendo comentada como experimento curioso em entrevistas e partículas de imprensa, mas não gerando magia cinematográfica perene.


A trilha do grupo Young Fathers funde sons contemporâneos com o icônico tema de John Murphy, do filme original, mas é a escolha do poema “Boots”, narrado por Taylor Holmes em 1915 (mas utilizado no trailer desde dezembro de 2024), que entrega um arrepio genuíno - o áudio vintage adiciona uma camada de desconforto sem precedentes. O resultado é um momento verdadeiramente memorável, capaz de remeter ao cerne do medo visceral presente no início da franquia.


Ralph Fiennes é situado num papel secundário, apesar de demonstrar traços daquela intensidade dramática que o consagrou em filmes como Conclave (2024). Sua breve aparição tem vislumbres de brilho - uma atuação perturbadora, intensa, inquietante -, mas para além de um ou dois momentos memoráveis, é relegado à sombra da trama adolescente de Spike e do melodrama materno. Lamentável: Fiennes prova que poderia sustentar o filme, mas Boyle e Garland não lhe entregam o protagonismo merecido.


Após o impacto inicial com imagens sofisticadas e ideias intrigantes - a existência de “alfa‑zumbis”, a arte da sobrevivência comunitária, o confronto entre gerações -, o roteiro perde o foco. Algumas passagens tornam‑se desnecessariamente prolixas, há frenesi gratuito em busca de choque - gore excessivo, “alfa‑zumbis” caricaturais, cenas que beiram o risível; sem contar o que poderia ser uma trama urgente adapta‑se a um drama paternal melancólico. Os momentos de tédio - narrativa lenta ao ponto de arrancar bocejos - mostram que o filme jamais encontra pulso dramático firme.


O filme até arrisca filosofia pandêmica, busca ressonância com o simbólico da pandemia real, mas nunca vai além da superfície - e a comparação inevitável com Contágio (2011), estudo mais contido e incisivo, só reforça essa sensação.
A atmosfera gráfica ostenta localizações pitorescas, direção de arte robusta, contraste entre luz e sombra, amplas tomadas de paisagem - resultado do olhar de Boyle / Dod Mantle. Mas o que poderia complementar a dureza narrativa acaba ampliando ainda mais o contraste: sombrio e belo, denso e superficial. A câmera em IMAX 2.76:1 proporciona visão escancarada da desolação, mas não sustenta a psiquê da história; estamos diante de um espetáculo visual insatisfatório.
Comparar com Extermínio (2002) e Extermínio 2 (2007) só acentua as falhas. Ali havia urgência, rupturas, tensão contínua - algo que A Evolução não reproduz. A lentidão e a indecisão tonal - horror versus drama - nunca chegam a rivalizar com o ritmo alucinante do passado. O que vemos é uma nostalgia desvaída, um legado desperdiçado em uma produção que jamais encontra seu tom nem sua duração adequada.


Entra-se numa zona de dúvida: após Covid-19, ainda é possível trazer inovação em cine‑pandemias? O pensamento paira: Contágio cumpriu esse papel em 2011, antes do trauma global. A Evolução falha em resgatar a credibilidade desse gênero, adotando elementos sensacionalistas em detrimento de investigação profunda. Aqui não há ciência, há escorregões narrativos, embates forçados e o horror dos efeitos especiais sem sentido existencial. Um filão "da moda", mas sem essência.


Extermínio: A Evolução é uma obra de contrastes intensos: tecnicamente corajosa, visualmente ousada, sonoramente arrepiante - mas narrativamente vacilante. Boyle entrega uma montagem precisa como um videoclipe, sustenta o filme com imagens potentes e trilha marcante, contudo esquece de consolidar o conteúdo: o roteiro oscila entre atos dispersos, personagens subexplorados e monstros com apelo de choque mecânico.


Dono de momentos arrepiantes, especialmente quando evoca "Boots" ou constrói tensão a partir da aparição dos “alfa‑zumbis”, o filme é, em grande parte, um exercício de estilo contido pela covardia de não abraçar totalmente nem o horror nem o drama. A lente que captura o caos, por vezes, vira espelho de vazio.
Ralph Fiennes é o retrato do desperdício - talento jogado em papel de coadjuvante, subestimado em fãs e cineastas. A grandeza técnica torna ainda mais visível a mediocridade da narrativa. Em 115 minutos, resta-nos valorizar o que se fez brilhante: a montagem, os medonhos zumbis‑inteligentes, o poema centenário. Mas nos lembramos sobretudo do que se perdeu: urgência, foco, espírito.


Fica válida a reflexão: será que o gênero de pandemia pós-Covid ainda tem algo útil a explorar? A Evolução sugere que, se ainda dá para fazer filmes impactantes, é urgente escolher narrativas com alma, não apenas panoramas elegantes.

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