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dezembro 13, 2025

Pokémon, o Filme: Mewtwo Contra-Ataca - Evolução (2019)

 


Título original: ミュウツーの逆襲 EVOLUTION
Direção: Monotori Sakakibara, Kunihiko Yuyama
Sinopse: Depois de aceitar o convite de um misterioso treinador, Ash, Misty e Brock conhecem Mewtwo, um Pokémon criado artificialmente e que está louco por uma batalha.


Pokémon, o Filme: Mewtwo Contra-Ataca - Evolução chega como um gesto curioso de nostalgia e experimento técnico: uma regravação quase quadro a quadro do longa original de 1998, agora refeito em CGI — uma tentativa óbvia de atualizar a fábula infantil sobre criação, identidade e responsabilidade para olhos acostumados com superfícies digitais e efeitos de alto brilho. A direção ficou a cargo de Kunihiko Yuyama e Motonori Sakakibara, que assumem uma tarefa ingrata: respeitar as batidas emocionais do material fonte ao mesmo tempo em que justificam a existência de uma nova roupagem visual. 

O primeiro impacto vem do próprio aspecto: a transformação do traço 2D em volumes e texturas tridimensionais dá ao universo Pokémon uma fisicalidade que, em alguns momentos, impressiona — a água, os reflexos e certos planos de ação exibem um acabamento polido, quase de videogame moderno. Porém, essa mesma materialidade cria uma dissonância constante entre personagens humanos e criaturas; rostos humanos encontram-se muitas vezes com aquele acabamento plástico que tira a espontaneidade, enquanto os Pokémon, modelados com atenção aos detalhes anatômicos e de pelagem, parecem mais “reais” do que os próprios humanos da cena. Essa inversão visual altera a empatia do espectador: curiosamente, sentimos mais verossimilhança nos seres que antes eram estilizados do que naquelas figuras que deveriam nos representar. 

Narrativamente, o filme não pretende redesenhar a história: trata-se de um espelho polido do original, com poucas mudanças de enredo e algumas atualizações pontuais no design e no ritmo. Esse zelo pela fidelidade é, ao mesmo tempo, sua força e seu limite. Para quem carrega memória afetiva do longa de 1998, a nova versão funciona como reativação emocional — reencontramos as mesmas set-pieces, a mesma progressão de confronto entre criador, criatura e mundo — e, por isso, muitas cenas mantêm sua potência. Por outro lado, quem busca subversão ou aprofundamento encontrará pouco além de reflexos: a ambiguidade moral de Mewtwo e a relação com Ash, Misty e Brock são respeitadas, mas raramente ampliadas. 

As atuações vocais preservam a energia que se espera de uma produção Pokémon: há calor, momentos de infantil sinceridade e declamações mais grandiosas quando a trama exige. Importante notar que a direção aqui se dá como foco principal — não pretendo me alongar em fichas técnicas, mas é justo reconhecer que o elenco principal carrega as cenas com profissionalismo e entrega, inclusive nas passagens mais melodramáticas. 

Musicalmente, a trilha e as canções funcionam como cola emocional: a versão japonesa recupera temas clássicos e introduz arranjos que tentam conectar gerações. No mercado internacional, a adaptação sonora e o trabalho de mixagem buscam harmonizar a estética sonora com o impacto visual, ora elevando a montagem de ação, ora suavizando os momentos de introspecção. Essas decisões sonoras ajudam a salvar algumas transições que, na tela, poderiam soar abruptas devido à nova fotogenia digital. 

Esteticamente, a maior crítica é de coerência de linguagem. O filme oscila entre o desejo de épica — explosões, iluminação hiper-realista, perspectivas grandiosas — e cenas que, pela própria natureza do roteiro, pedem simplicidade e silêncio. Esse conflito gera momentos em que o espetáculo técnico ofusca a pequena tragédia íntima de Mewtwo: num filme que lida com a solidão do ser criado para ser mais que humano, o excesso de polimento visual por vezes distancia o espectador do núcleo emocional. Ainda assim, há imagens de rara beleza e alguns planos compostos com sensibilidade: quando a câmera acompanha um Pokémon em movimento ou se afasta da ilha em que Mewtwo se ergue, a sensação de escala e de amor pela invenção do universo permanece.

Do ponto de vista temático, Pokémon, o Filme: Mewtwo Contra-Ataca - Evolução mantém a sua pergunta central: o que é ser legítimo — o ser original ou a cópia que pensa e sente? Em tempos contemporâneos nos quais clonar, replicar e simular tornou-se matéria de debate cotidiano, a história retorna com vigor. Mewtwo permanece uma figura trágica: não apenas poderosa, mas profundamente só e anestesiada por uma raiva que, ao mesmo tempo em que é compreensível, se torna lógica de destruição. O filme não tenta oferecer respostas fáceis; prefere, com justiça, expor o conflito e deixar o espectador sentir o peso de suas implicações. Esse é, talvez, o aspecto mais honesto da refilmagem: ela reafirma a força do original em colocar uma questão moral diante do público infantil sem subestimá-lo. 

No contexto de recepção e circuito, a produção teve uma performance comercial sólida no Japão e encontrou caminho para um público global quando estreou como original Netflix em fevereiro de 2020 — movimento que sinaliza a estratégia contemporânea de dispersão cultural: o filme deixou os cinemas tradicionais de alguns territórios e buscou o fluxo direto do streaming, onde alcançou grande visibilidade. Esse alcance demonstrou que a nostalgia combinada com uma nova cara digital ainda tem apelo — sobretudo para quem cresceu com o universo Pokémon e agora consome mídia em plataformas. 

Em conclusão, Pokémon, o Filme: Mewtwo Contra-Ataca - Evolução é um exercício amoroso de reinvenção que alterna êxitos visuais com hesitações emocionais. Não é uma melhoria necessariamente sobre o original — antes, uma atualização que brilha e tropeça nos mesmos lugares: brilha na ambição técnica, tropeça quando a técnica impede a intimidade dramática. Para fãs, é um reencontro com cenas que marcaram a infância; para espectadores novos, é uma fábula com boas intenções que por vezes se perde no verniz. Ainda assim, há beleza sincera aqui: a pergunta que o filme repete — sobre criação, responsabilidade e empatia — continua sendo necessária, e, por isso, a versão Evolução merece ser vista, debatida e sentida.

Se há uma última nota a tocar, é que o filme prova algo simples: atualizar a pele não altera o coração de uma história. Às vezes, o que precisa evoluir não é a imagem, e sim a coragem de escutar o silêncio por trás do ruído.