Desde o início, o filme já prenuncia seus problemas: a maneira como exalta terroristas. A premissa de ex-revolucionários, idealizados, libertários forjando ações violentas contra o governo ou contra forças militares, com toda pompa e “heroísmo”, soa perigosamente parecida com glorificação. E isso continua ao longo do filme. Esse tipo de obra que coloca terroristas como protagonistas heroicos me incomoda profundamente: não é só questão de opinião, é questão de ética no cinema. É como uma versão americana do brasileiro O Que É Isso, Companheiro? — filme pífio, que celebra terroristas como heróis nacionais, o mesmo tipo de tratamento “idealizador” recebe aqui em Uma Batalha Após a Outra.
Vou arriscar dizer: desde Titanic que eu sempre detestei Leonardo Di Caprio. Acho péssimo ator, com aquela mesma cara de sonso em todos os filmes dele. E aqui ele interpreta Bob Ferguson, ex-revolucionário, pai de Willa, etc. O papel pede uma certa intensidade, certo grau de carisma, de conflito — mas sua expressão parece congelada num molde “o peso da revolução” sem nunca realmente mostrar variações profundas. Eu cheguei a torcer o filme inteiro para o personagem dele ser morto pelo Coronel Lockjaw (Sean Penn). Simplesmente porque seria uma resolução mais dramática e coerente com muitas das tensões que o roteiro planta, mas se recusa a colher.
Em contrapartida, Sean Penn está excelente. Quando o filme acerta, o mérito é dele. Ele interpreta o coronel Lockjaw, vilão militar, perturbado, odioso, com uma brutalidade que quase beira o grotesco, mas ele consegue dar camadas, dar presença. Ele é um dos poucos pontos altos do filme. Acho que ele consegue fazer algo interessante justamente porque o roteiro já o entrega quase como caricatura, e ainda assim Penn consegue extrair algo que incomoda de verdade, algo visceral.
Falando em roteiro: fraco e previsível. Mesmo quem vê poucos filmes ou não acompanha sinopses, já na primeira hora dá para saber para onde tudo vai: o ex-revolucionário que vive escondido, a filha desaparece, o antagonista ressurge, há perseguições, confrontos morais, e no final uma cena de grande tensão que resolve o conflito com sangue, olhar de redenção ou sacrifício. É tudo clichê. A viagem emocional parece de mão única: se metaforizam lutas revolucionárias, se demonizam militares, forças de segurança, policiais, espectadores “de direita”. É um filme claramente político, de viés de esquerda, que demoniza qualquer força de segurança e pessoas de direita como vilões contumazes. Lastimável. Há uma polarização forçada, uma divisão simplista entre “bons” e “maus” ideológicos, sem espaço para nuance, para ambiguidade, para mostrar que realidades sociais são muito mais complexas.
Tecnicamente há momentos de beleza — por exemplo, a fotografia, assinada por Michael Bauman, capta belas paisagens, contrastes entre ambientes urbanos amontoados e desertos, cenas de perseguição com bons enquadramentos, bons usos de profundidade de campo, bons planos de paisagens. Também há mérito em algumas sequências de ação, em tomadas amplas, em cores que destacam o peso do deserto ou da fronteira, do isolamento. Contudo, essas virtudes visuais quase não compensam os defeitos estruturais.
A edição tenta manter ritmo, mas falha: o filme é arrastado, extremamente longo — quase 3 horas (162 minutos) de duração. Há cenas de perseguição exageradamente longas que deveriam tensionar, mas entediam: estendem-se além do necessário, repetem motivos visuais que não acrescentam, os cortes não resolvem a lentidão, no lugar de sufocar criam sono. A trilha sonora, de Jonny Greenwood, normalmente um compositor que admiro muito, aqui me irritou demais: nas cenas de perseguição especialmente, ele usa uma nota só — uma espécie de tom repetido — por minutos a fio; aquilo para os ouvidos foi insuportável. O que poderia sustentar tensão, vira monotonia enfadonha.
Personagens: rasos, caricatos, unidimensionais, não cativam de modo algum. Bob é idealizado, abatido, mas pouco convincente emocionalmente; Willa tem algum potencial, mas falta profundidade, falta desenvolvimento que vá além: “filha resolvendo problemas do pai”, etc. Perfidia, a revolucionária que comanda o grupo, é inspirada no discurso de resistência, mas falta diálogo interior, falha interna, contradições reais. Os antagonistas, além de Lockjaw, também pouco mais que símbolos: o “funcionário do governo mau”, o militar corrupto, etc. Não há realmente surpreendente. Até senti que boa parte do elenco está preso a uma visão de pinceladas grossas de papel político.
O viés político, como já disse, é tão transparente que transforma o filme quase em panfleto: exaltação do “ativo revolucionário”, demonização de quem está do outro lado (policiais, militares, forças de segurança, pessoas de direita) como se todo mundo que não está na causa fosse automaticamente culpado ou mau. Um discurso de esquerda simplista, que ignora os excessos, os abusos, de quem luta, ou de quem supostamente é o “vilão”, apenas para afirmar “resistência é sempre nobre, o Estado/instituições são sempre corruptas”. Isso faz o filme perder credibilidade para mim.
Se quisermos entrar em aspectos técnicos adicionais: o som, quando há silêncio, poderia funcionar melhor; mas muitas vezes o filme preenche tudo, não deixa espaço para respirar. O desenho de som nas cenas de ação é barulhento, mas não estimulante — parece querer “bombar”, impressionar, e acaba sendo sobrecarregado. A mixagem prioriza efeitos grandiosos (explosões, tiros, perseguições), mas esquece de balancear com expressão emocional sutil.
A direção de Paul Thomas Anderson mostra ambição: tentar combinar épico, thriller, ação, política, drama familiar e até humor ácido. Mas a ambição parece desmedida para o roteiro que ele construiu — porque sem momentos de verdadeira virada, de surpresa, de dúvida genuína, tudo fica previsível. A montagem de tempo sofre: há desvios que prolongam cenas de perseguição, diálogos expositivos que se repetem, flashbacks ou interlúdios políticos que contribuem pouco para a densidade emocional ou, pior, atrapalham o ritmo.
Mesmo visualmente bonito, em muitos momentos parece que se quer impressionar com escala, com plano amplo, com ruído de helicóptero, filmagem de fronteira, muralhas, bases militares, mas falta alma. Toda vez que eu pensava que o conflito interno de um personagem ia emergir — Bob, Lockjaw, Perfidia — o filme silencia, volta a ação, volta à perseguição ou ao espetáculo. Faltam cenas de silêncio, de internalização, de sombra — de demonstração de fraquezas reais, algo que vá além do manifesto político.
No final, a resolução, esperada, é tão previsível que não surpreende. O filme chega a uma cena de clímax com perseguição de carro, confronto militar, confronto moral, sacrifício ou revelação, como se estivéssemos assistindo a fórmula genérica de “filme de ação político com herói idealista contra vilão abusador”. E isso leva à sensação de desperdício: já que o orçamento é enorme, a produção esforçada, elenco de peso — tudo para entregar algo que parecia muito ambicioso mas que no fim não escapa do lugar-comum.
Em suma: Uma Batalha Após a Outra tem lampejos — bons atores (especialmente Sean Penn), bons visuais, ideias interessantes —, mas no conjunto falha em ser um filme que penitencie, que provoque reflexão genuína além do que já se viu, que desenvolva personagens complexos ou que escape do panfleto ideológico. É uma obra mais de discurso do que de emoção ou de dúvida. Para mim, não passa de mais um filme que exalta terroristas como heróis, que insiste no maniqueísmo, que explora pretensamente a resistência como causa estética, mas raramente como conflito moral real.
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